Título: A mudança na Lei de Concessões e o Ministério Público
Autor: Ribeiro , Wladimir Antonio
Fonte: Valor Econômico, 07/05/2008, Legislação & Tributos, p. E2
A Procuradoria-Geral da República (PGR), no dia 25 de março, propôs uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a mudança no artigo 42 da Lei de Concessões e Permissões de Serviços Públicos feita por meio de um dispositivo da Lei Nacional de Saneamento Básico. O Supremo não deferiu o pedido de liminar, optando por decidir somente após o recebimento das informações do Congresso Nacional e da Advocacia-Geral da União (AGU). A PGR questiona a possibilidade de permanência, até 2010, de concessões que em 1995 vigoravam por prazo indeterminado e ainda questiona a possibilidade de que tais concessões sejam substituídas por contratos celebrados sem licitação.
Uma análise mais acurada da questão deixa claro que o questionamento da procuradoria possui origem em uma análise superficial, quiçá apressada, das modificações realizadas na Lei de Concessões. A Lei nº 8.987, de 1995, previa em seu artigo 42 que as concessões anteriores, após o término de seu prazo contratual, seriam novamente licitadas e contratadas. O novo texto afirma que, neste caso, os serviços serão retomados pelo poder concedente, que poderá prestá-los diretamente ou por meio contratado.
Neste primeiro ponto, a diferença em relação ao texto anterior é apenas o de prever que a prestação dos serviços poderá dar-se também de forma direta, pela própria administração, não sendo obrigatória a celebração de um novo contrato. Apesar desta limitada modificação, a PGR questiona que o novo texto, ao contrário do anterior, não diz expressamente que uma eventual nova contratação deva ser antecedida de licitação, pelo que haveria inconstitucionalidade.
Isto é um equívoco. É evidente que a nova contratação deve seguir a legislação, pelo que a ausência de previsão expressa de licitação nada interfere. De outro lado, a procuradoria esqueceu-se que há hipóteses perfeitamente constitucionais de prestação de serviços públicos mediante contratos celebrados sem licitação. Um exemplo de tal espécie de contratação direta é o da gestão associada de serviços públicos, prevista no artigo 241 da Constituição Federal.
-------------------------------------------------------------------------------- O ajuizamento da Adin no Supremo aumentou em muito os riscos jurídicos das concessões --------------------------------------------------------------------------------
Exemplifica-se: a administração pública poderá prestar serviços públicos mediante a contratação, por exemplo, de um consórcio público - caso dos municípios que se unem para operar um mesmo aterro sanitário ou uma estação de tratamento de esgotos. É evidente que a celebração de um contrato de consórcio público entre entes federados não é precedido de licitação, pois não se deriva de uma escolha, mas da cooperação federativa.
Com isto, a ausência da previsão expressa de licitação no novo texto da Lei de Concessões não induz a nenhuma inconstitucionalidade: primeiro porque não significa que tenha sido dispensada a licitação -especialmente quando exigida por outras normas legais; segundo porque há hipóteses de celebração de contratos para a prestação de serviços públicos em que a licitação não é exigível, como é exemplo a gestão associada de serviços públicos.
O outro ponto questionado pela procuradoria na Adin impetrada no Supremo sofre do mesmo mal da interpretação equivocada do texto legal. Nele, a PGR afirma que o texto anterior fixava o prazo de dois anos como prazo máximo para a permanência de concessões que, em 1995, vigoravam por prazo indeterminado. Não é nada disto. O que dizia o texto legal anterior era que essas concessões anteriores deveriam permanecer por dois anos e que somente poderiam ser extintas quando decorrido esse prazo. Em suma: fixava um prazo mínimo, e não prazo máximo para a permanência de concessões. Uma vez que a leitura do texto legal anterior foi deturpada, também se compreendeu mal a mudança que apenas fixou prazo máximo para essas concessões. Com isto, continua existindo o dever de a administração pública, em um prazo razoável, substituir as concessões que em 1995 estavam em vigor por prazo indeterminado, com a única diferença de que tal "prazo razoável" poderá ser menor, mas não ultrapassar 31 de dezembro de 2010 - a data-limite. Ora, isto é bem diferente de prorrogar as concessões até 2010, como erroneamente interpreta a PGR em sua ação.
De se ver que pode parecer estranho que uma concessão, transitoriamente, permaneça vigente por 10 ou 15 anos. Muitas vezes isto traduz abuso, e o prazo razoável para a nova contratação pode ser fixado em termos mais curtos - e, neste caso, legítima e necessária a fiscalização do Ministério Público. Mas, em outras situações, poderá ocorrer que os investimentos realizados pelo concessionário não foram integralmente amortizados e o interesse público seja o de que a concessão se prolongue pelo tempo necessário para esta amortização. Contudo, tal prazo - nos termos fixados pela mudança realizada na Lei de Concessões e que a PGR questiona - não poderá ultrapassar a data-limite de 31 de dezembro de 2010. Evidente, assim, que a ação da Procuradoria-Geral da República, neste ponto, também é equivocada e combate a fixação do prazo máximo - medida moralizadora, como ela mesmo defende - porque erroneamente entendeu que o prazo máximo seria prazo mínimo.
Resta saber o quanto esta ação custará aos cofres públicos, uma vez que seu ajuizamento aumentou em muito os riscos jurídicos das concessões. Abrir-se-ão as portas para rompimentos de contratos, deixando sem amortização diversos investimentos? Investimentos novos em serviços públicos serão paralisados em vista do clima de insegurança jurídica artificialmente criado? Este risco traduzir-se-á em custos que deverão ser suportados pelos usuários de serviços públicos? Para estas questões não há ainda respostas. Mas de uma coisa se tem certeza: a pressa é mesmo inimiga da perfeição.
Wladimir Antonio Ribeiro é advogado e consultor do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Advocacia e mestre em ciências jurídico-políticas pela Universidade de Coimbra
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