Título: Ex-diretor do BC defende superávit primário de 4,5%
Autor: Vieira , Catherine
Fonte: Valor Econômico, 09/05/2008, Brasil, p. A3
Ilan Goldfajn, hoje na Ciano Investimentos: excesso de gastos prejudica Ex-diretor do Banco Central (BC) e agora à frente da Ciano Investimentos, que gere uma carteira em torno R$ 400 milhões, Ilan Goldfajn está preocupado com a responsabilidade que pesa hoje sobre a autoridade monetária. Para ele, a pressão inflacionária preocupa no momento principalmente porque os gastos do governo, acredita, estão sem controle, deixando todo o problema para ser resolvido pelo Banco Central. "O Banco Central virou o único "bastião" da responsabilidade", adverte ele.
A conseqüência disso é uma pressão inevitável sobre juros e câmbio. "Se o governo gasta muito, em algum momento consumo, investimento e exportação vão ter que ceder", diz ele. Para Goldfajn, a medida que poderia ser adotada logo para amenizar esse cenário é um aumento do superávit primário, para pelo menos 4,5%, como era antes da redução. Na visão de Goldfajn, nos últimos anos o Brasil se beneficiou de um cenário atípico positivo para as características da nossa economia, por conta principalmente da alta dos preços das commodities. Mas acredita que o país deveria aproveitar a época de vacas gordas para poupar. A seguir, os principais trechos de sua entrevista:
Valor: Afinal a pressão de inflação é mais interna ou externa?
Ilan Goldfajn: Tem uma parte que é de inflação de alimentos, que tem a ver com as commodities e vem lá de fora, e tem outra parte que é uma inflação de serviços e agora parece que a indústria começa a ter reajustes, o que preocupa. Então, não é só um fator isolado. Mas o fato de ter uma inflação externa não significa que não tenha que combater para não haver inflação doméstica. Tem que evitar que isso se transmita para as pressões de salários e outros preços.
Valor: Aumentar o juro é o caminho, há medidas complementares?
Goldfajn: Há muitas medidas, mas nenhuma que eu veja vontade do governo de fazer, ao contrário, continua num ritmo que só coloca uma pressão maior sobre o juro. A política fiscal, de gastos do governo, por exemplo, tenho a impressão de está completamente solta. Os reajustes pedidos por exemplo são atendidos, a taxas elevadas, para várias categorias.
Valor: Apertar a política fiscal seria uma solução, então?
Goldfajn: Deveria se pensar logo num anúncio de um superávit primário maior, de pelo menos 4,5% ou 5% . Num cenário em que a receita cresceu tanto, ter reduzido o superávit para 3,8% é uma vergonha. O Brasil se beneficiaria de ter uma política fiscal que acomodasse um pouco mais o ciclo. O BC virou o único "bastião" da responsabilidade, é como se o resto pudesse ser livre e gastar a vontade.
Valor: Qual o resultado disso?
Goldfajn: A conseqüência de uma política fiscal frouxa é ter pressões tanto sobre os juros quanto sobre o câmbio, é a única forma que a economia encontra de acomodar. O juro tira espaço do consumo e do investimento e o câmbio tira espaço das exportações e coloca mais importações. Se o governo gasta muito, em algum momento consumo, investimento e exportação vão ter que ceder, porque o juro vai ser mais alto e o câmbio mais apreciado, não tem mistério.
Valor: O juro vai continuar subindo?
Goldfajn: A taxa Selic, estipulada pelo Comitê de Política Monetária, sim, provavelmente. A curva de juro no mercado já precificou uma subida razoável. Tem bastante juro e precisa ver o impacto que isso terá nas companhias. As anticíclicas podem se beneficiar, já outras podem sofrer.
Valor: Então o grau de investimento não muda nada para a política monetária?
Goldfajn: No curto prazo não tem efeito nenhum, inclusive quando elevou a classificação do brasil a Standard & Poor's citou como uma das coisas positivas a atuação do Banco Central (BC), de reagir rapidamente e não dar espaço para distorções.
Valor: Mas o câmbio tende a se apreciar ainda mais...
Goldfajn: Se você acreditar que vem mais fluxo, sim. Por outro lado, é preciso ver quais a perspectivas para as commodities e essas políticas de governo de fundo soberano, IOF. Há vários fatores que é preciso observar no cambio.
Valor: A obtenção do grau de investimento melhora a perspectiva para a bolsa?
Goldfajn: Já ocorreu um salto, não espero grandes impactos adicionais. A discussão agora é sobre o que ainda vai ter de influência, porque muita coisa já estava antecipada nos preços, muitos já vinham investindo aqui, a pergunta é quanto mais vai vir ao longo do tempo, porque há alguns fundos de pensão ainda não estavam.
Valor: E qual sua expectativa?
Goldfajn: Não sei, acho que o mais seguro para se pensar é que deve haver uma mudança de composição, capitais mais longos, de investimento direto, e pensando mais num retorno de longo prazo e talvez menos de investidores olhando retorno mais de curto prazo.
Valor: Na Ciano, vocês mudaram posições em função disso na bolsa?
Goldfajn: Por conta do grau de investimento, não. As mudanças que fizemos foram em função da condição macroeconômica. Há hoje uma inflação relevante e uma taxa de juro que vai se tornar maior e pode tornar a vida mais difícil para aquelas empresas mais cíclicas, já as que não são tão dependentes do ciclo talvez performem melhor daqui para frente.
Valor: Então, o grau de investimento não traz em si um cenário de euforia?
Goldfajn: Acho que não, se vier uma nova elevação da nossa classificação por outra agência poderá haver impactos novos, mas também não sei se duradouros.
Valor: Tivemos um longo período positivo nos últimos anos...
Goldfajn: Sim, por conta de uma composição do mundo muito favorável para nós, com os juros dos EUA em queda e os preços das commodities em alta, isso faz com que se possa ter balança comercial alta mesmo com o câmbio apreciado e a atividade forte, e segura as tensões por muito mais tempo. É como ganhar um bônus, mas chega uma hora que ele acaba. De um lado já surge a crise nas economias avançadas, de outro vemos inflação de alimentos no mundo. Esse padrão de crescimento via commodities subindo tem seu limite.
Valor: E qual o cenário para a frente?
Goldfajn: Pode acabar vindo um mundo mais morno, tanto porque o crédito vai ficar mais escasso em função da crise nos EUA, como pelo fato de que, lá na frente, a política monetária dos países vai ser um pouco mais apertada, o que contribui para desacelerar um pouco também. Um mundo mais morno para poder continuar crescendo, senão acaba estourando, tem que acalmar um pouco.
Valor: Como isso vai se refletir nos mercados?
Goldfajn: É difícil saber. Em algum momento pode-se ter uma definição de para que lado o mundo vai caminhar e isso deve ter impacto sobre a Bovespa, se for um ano de mais alívio da crise, pode ser que a bolsa suba um pouco mais e se de fato o mundo ficar mais morno e as commodities deixarem de subir fica um ano pior para a Bovespa. Ainda não está claro para que lado vai e é bom lembrar que época de subida de juro não é boa para algumas ações. Por isso é ainda mais importante ser seletivo.