Título: Política monetária mostra pouca eficácia
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 17/02/2005, Finanças, p. C2
O ciclo de alta da taxa básica de juro (Selic), que originalmente foi anunciado pelo Banco Central como um "ajuste moderado", chegou ontem à sua sexta rodada. Esse aperto sem fim levou economistas de dentro e fora do governo a questionar se a política monetária está perdendo parte de sua eficiência para controlar a inflação. Para o próprio BC, esse não é um assunto resolvido. Nos seus últimos documentos oficiais, a autoridade monetária vem descrevendo as incertezas que cercam a política de juros. Pode ser que ainda não tenha dado tempo para que a economia sentisse os efeitos antiinflacionários da alta dos juros. Mas também pode ser que, numa conjuntura de expansão da renda real e do emprego, a política monetária tenha perdido parte de sua eficácia. Desde que adotou o regime de metas de inflação, em 1999, o BC vem fazendo estudos sobre os canais de transmissão da política monetária - ou seja, os mecanismos pelos quais os juros afetam a economia e a inflação. Uma revisão desses meios de propagação ajuda a entender porque os juros podem estar fazendo menos efeito do que o previsto. - Juros futuros - É o canal de propagação da política monetária mais importante. Quando o BC aperta a taxa básica, toda a curva de juros futuros deve subir junto. A conseqüência é a queda dos investimentos, parte importante da demanda. É que os investimentos de risco menor, como a compra de títulos do governo, passam a ser mais atrativos. Isso inviabiliza investimentos privados de retorno mais baixo. Na conjuntura atual, o BC foi bem-sucedido em elevar a curva de juros, com toda a sua política monetária pré-anunciada. Mas será que conseguiu conter investimentos? Nada garante. Os investimentos são determinados não apenas pelos juros, mas também pela expectativa de vendas. Numa economia com crescimento de emprego e renda, as expectativas de vendas são mais favoráveis. Os juros recomendam corte de investimento, e o crescimento sustentado, o aumento deles. - Taxa de câmbio - É o canal mais rápido de propagação da política monetário. A taxa de câmbio já se apreciou, e reduziu preços no atacado. Aguarda-se agora que esse arrefecimento dos preços no atacado chegue ao varejo em breve. Mas o BC vem alertando em seus documentos oficiais que, para surtir efeito, esse mecanismo depende das condições de demanda: se ela for maior do que a oferta, os preços no varejo não recuam. - Crédito - O canal que vem gerando mais controvérsia. A alta dos juros básicos provoca redução das reservas bancárias, e do dinheiro disponível para o crédito, pressionado pelos juros. Mas esse canal pode não estar funcionando bem. O economista José Roberto Mendonça de Barros alertou, no Valor, que o mercado de crédito está passando por uma mudança estrutural. A difusão do crédito consignado, por exemplo, reforça as garantias, reduzindo juros. Ou seja: anula parte dos efeitos pretendidos pela política monetária. A grande dúvida é se esse movimento tem alguma relevância do ponto de vista da demanda. Quando adotou o regime de metas de inflação, o BC fez um amplo estudo para medir a importância de cada um dos canais de transmissão da política monetária. O efeito na curva de juros e no câmbio foram apontados como os principais. O canal de crédito, no Brasil, teria importância irrisória, porque o tamanho do crédito em relação ao PIB é pequeno. O crédito livre representa 14,8% do PIB. Em economias avançadas, supera 100%. É nesse ponto do debate que entra o secretário do Tesouro, Joaquim Levy. Ele defende que o crédito direcionado, que tem juros tabelados, passe a sofrer alguma influencia da taxa básica, a Selic. Mas o crédito direcionado responde por 9,8% do PIB. - Expectativas - É a alma de um regime de metas de inflação. Se todos os agentes econômicos acreditarem que o BC será capaz de baixar a inflação, a profecia se auto-realiza. Hoje, apesar de todo o aperto na política monetária, as expectativas estão inflexíveis, em 5,74%. Esse é um problema fundamentalmente de credibilidade. O mercado não crê que o BC irá agir para trazer a inflação para a meta de 5,1%. Há várias explicações para o fenômeno. A mais corrente é que o governo definiu uma meta muito ambiciosa. Para alcançá-la, o BC teria de promover um brutal aperto nos juros, com sérios prejuízos para o crescimento. Como o mercado não crê nessa hipótese, os analistas projetam inflação mais alta que a meta. - Efeito riqueza - Quando o BC eleva juros, a população deveria se sentir mais pobre, pois se desvalorizam seus títulos prefixados e ações. A sensação de riqueza menor levaria a menos consumo e a mais poupança. Mas no Brasil esse efeito é pequeno e até inverso: os títulos, na maior parte pós-fixados, fazem alguns ficarem mais ricos quando o juro sobe.