Título: Tesouro nega que política fiscal tirou a eficiência da elevação do juro básico
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 17/02/2005, Finanças, p. C2
"Esse pecado eu não cometi", garantiu o secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, afirmando que a política fiscal de 2004 não foi expansionista, como têm avaliado vários especialistas em contas públicas, ao analisar o que se convencionou chamar de "a gastança" do final do ano passado. "Agora, vamos ver 2005", pondera Levy. Ele reafirmou que a meta de superávit primário para este ano é de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB). A discussão - se houve ou não, afinal, uma política fiscal expansionista da demanda agregada a despeito do enorme superávit primário de 4,61% do Produto Interno Bruto (PIB) - tem relação direta com a eficácia da política monetária. Há uma questão central no debate sobre a política econômica que paira sobre os economistas oficiais em geral, e sobre os membros do Comitê de Política Monetária (Copom), em particular: por que uma taxa básica de juros bastante elevada - e ontem ela passou para 18,75% ao ano - não está sendo suficiente para derrotar a inflação? Há economistas no governo que atribuem essa "perda de eficiência" da política de juros à expansão do crédito, ao aumento da renda e do emprego. Analistas do setor privado apontam, além desses elementos, para os dados fiscais de 2004, quando a expansão da despesa pública foi forte e financiada pelo aumento substancial dos impostos, produzindo impacto direto na demanda agregada. Ou seja, a política fiscal estaria funcionando na direção contrária à política monetária. A rigor, ainda não há uma conclusão desse debate. Levy, preocupado com a possibilidade de ter cometido "pecado" no ano passado, levantou os dados e os compilou numa fórmula conhecida como "multiplicador do orçamento equilibrado" na ótica keynesiana, e concluiu que, em 2004, apesar da "gastança" - que ele discorda frontalmente que tenha ocorrido -, a política fiscal foi ligeiramente contracionista da demanda agregada. Mais próxima da neutralidade, atesta ele. Segundo os dados do Tesouro Nacional, a variação da receita total líquida a preços do ano passado foi de R$ 37,768 bilhões. A variação da despesa total (descontando as transferências às pessoas), correspondeu a R$ 30,26 bilhões. Assim, a contribuição líquida da União na expansão da demanda foi contracionista em R$ 7,5 bilhões. Considerando, porém, a propensão a poupar de 25%, essa contribuição do gasto da União para a contração da demanda cai para R$ 1,35 bilhão (cerca de 0,076% do PIB). "Obviamente, fui ver se eu tinha caído em pecado ou não. Estou no borderline (na fronteira)", comentou Levy. Sérgio Werlang, diretor executivo do Banco Itaú, que já tinha conversado com Levy sobre o impulso desse multiplicador, concorda com a resposta do secretário do Tesouro Nacional: de fato, a execução fiscal foi contracionista tendendo à neutralidade. Mas há um porém, diz ele. Werlang fez contas distintas, tomou os gastos da União, estimou os dos Estados e Municípios, e chegou a resultados bastante parecidos. Somando os três níveis de governo, o aumento do gasto público (excluídas as transferências à pessoas), teria sido de R$ 33 bilhões no ano passado. Por essas contas teria havido, portanto, um "choque" de gasto público equivalente a 1,9% do PIB no ano passado e isso teria ocorrido apesar do superávit primário ter atingido 4,6% do PIB em 2004. Tal fato deve ter produzido algum efeito na "curva de demanda agregada", ou seja, no cálculo que determina os efeitos da política fiscal e de taxa de juros sobre a demanda na economia. Levy está seguro de que neste ano o "multiplicador" será mais contracionista, por causa da esperada redução da receita com impostos, até porque, explicou, em 2004 cobrou-se um mês a mais da Cofins que terá que ser devolvida neste ano. O "multiplicador do orçamento equilibrado" é uma fórmula que pressupõe que a queda da demanda, provocada pelo aumento dos impostos, é menor do que a expansão do consumo do governo provocada pelo aumento do gasto público. O gasto público aumenta a demanda agregada da economia na razão de 1 por 1. Já a elevação dos impostos impacta a demanda na proporção de 1 por 0,75, porque cerca de 25% da renda disponível é poupada. Não existe hoje, segundo Levy, a possibilidade do governo aumentar a meta de superávit primário, como fez em meados do ano passado quando elevou a meta de 4,25% para 4,5% e realizou 4,61% do PIB. " A meta é 4,25% do PIB", assegurou ele, para quem esse é um trabalho que o governo continuará executando "com ou sem FMI". A decisão sobre a renovação ou não do acordo com o Fundo Monetário Internacional deverá ser tomada até meados do mês de março, já que o acordo em curso vence no dia 31 do próximo mês. Se a decisão final do governo for de não ter mais acordo formal com o FMI, Levy acha que ela deverá ser acompanhada de uma definição clara do que o governo pretende fazer até o final do mandato. " Com ou sem FMI temos que ter clareza do que vamos fazer: compromisso com a austeridade fiscal, compromisso com a meta de inflação e com a eficiência da economia". Nos próximos dias o Tesouro Nacional vai divulgar o plano anual de financiamento da dívida mobiliária e uma das metas desse plano será de reduzir o peso da dívida atrelada á variação da taxa Selic, além do objetivo primordial de diminuir a dívida como proporção do PIB.