Título: Investigação mundial vê corrupção em cinco empresas brasileiras
Autor: Moreira, , Assis
Fonte: Valor Econômico, 09/05/2008, Especial, p. A20

O Grupo Anticorrupção da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) incluiu o Brasil numa lista de 150 casos de propinas pagas por empresas em transações internacionais.

O presidente do comitê, o professor suíço Mark Pieth, revelou ao Valor que cinco empresas brasileiras estão na lista por suposta corrupção "ativa" de funcionários estrangeiros, para obter contratos ou aumentar vendas.

Além disso, o nome do Brasil aparece em "muitos casos" de maneira "passiva", ou seja, de funcionários que teriam cobrado suborno de empresas estrangeiras interessadas em negócios no país.

Pieth, que atua já faz 20 anos na OCDE no combate anti-corrupção e é professor de criminologia da Universidade de Basiléia, evita revelar nomes.

Mas disse que espera do Brasil alguma explicação sobre o escândalo Alstom, na próxima reunião do grupo, em junho em Paris.

Em janeiro de 2005, numa entrevista ao Valor em Davos, à margem do Fórum Mundial de Economia, ele revelou ter ouvido de uma companhia que pagara para obter contrato de venda para uma barragem no Brasil.

Ele avalia que a corrupção nas transações internacionais explodiu com a globalização, mencionando a cifra de US$ 1 trilhão anual estimada pelo Banco Mundial. A seguir, os principais trechos da entrevista dada ontem:

Valor: Em 2005, o senhor revelou ao Valor um caso de funcionário no Brasil que teria cobrado milhões de dólares de uma multinacional para fazer aquisição de equipamentos para uma barragem. Era o caso de Alstom?

Mark Pieth: Não posso confirmar oficialmente, porque não conheço ainda os detalhes dessa investigação. A Alstom diz que nem está sendo investigada. Mas a situação é comum. Em 2005, no Estado de São Paulo, pessoas que eram responsáveis pela compra de equipamentos não pediram suborno para eles, mas sugeriram que a empresa fizesse "pagamento ou presente político", para a caixa de partido. Isso é corrupção. No grupo que temos (na Universidade de Basiléia, como "facilitadores de grupos de empresas" que discutem como evitar subornos), ficamos sabendo que uma companhia recusou pagar. Outra companhia pagou e obteve o contrato.

Valor: Essa empresa explicou por que deveria pagar suborno?

Pieth: A companhia deixou entender que tinha esse "pagamento político". Mas não posso confirmar oficialmente que foi Alstom, você compreende.

Valor: Suborno a um funcionário ou contribuição ao partido nesse caso é a mesma coisa.

Pieth: Claro. Pelos conceitos da OCDE e de muitos países, se o pagamento vai a um terceiro, se é partido político ou não, é corrupção.

Valor: A OCDE acompanhou esse caso?

Pieth: Sim. No grupo que eu presido há quase 20 anos, fazemos quatro vezes por ano uma mesa redonda com os 37 países participantes. Cada país deve explicar qual caso encontraram. Para ajudá-los, temos um documento ultra-secreto, com 150 páginas e 150 casos de corrupção, e eles devem se pronunciar. Podem dizer que é totalmente falso o que a imprensa publicou. Mas geralmente não é totalmente falso. Há muitas situações de pagamentos camuflados.

Valor: Dos 150 casos examinados pela OCDE, quantos envolvem o Brasil?

Pieth: Nossa perspectiva na OCDE é sobre suborno "ativo", de companhias que pagam propina no estrangeiro. Em relação ao Brasil, temos cinco casos no momento. O Brasil não é um dos mais envolvidos. Há muitos envolvendo empresas americanas, inglesas, francesas, japonesas. As suíças e holandesas são mais moderadas.

Valor: Quais são as cinco empresas brasileiras?

Pieth: Não posso revelar. Os casos não terminaram ainda. E precisamos ser prudentes, não podemos falar de investigação porque a OCDE não é um tribunal e nem polícia. O que fazemos é uma discussão amigável com o Brasil, que faz parte da convenção anticorrupção da OCDE e se engajou a combater essas práticas. Mas se você ver o que fizemos com a Inglaterra em relação a corrupção envolvendo a British Aerospace (BAe) numa venda para a Arábia Saudita, verá que somos persistentes.

Valor: Entre os 150, em quantos o Brasil estaria de maneira passiva, como recebedor?

Pieth: Há vários casos de gente que pagou suborno no Brasil, mas não lembro nomes agora. O Brasil tem uma reputação mista. O país cresce economicamente e é admirado por isso. Mas ao mesmo tempo - e, olha, não quero ser desagradável em relação ao Brasil -, a impressão é de uma cultura local de cobrar propina. Há um problema de corrupção. Outro aspecto que observamos é que o dinheiro embolsado por um funcionário é repatriado para Zurique, na Suíça. Para ser um parceiro totalmente aceito (na cena internacional), o Brasil precisa combater a demanda de propina internamente. Se os exportadores brasileiros fazem negócios regionalmente, na Argentina, por exemplo, eles vão se defrontar com situação bastante parecida. Na minha experiência na luta anticorrupção no Brasil, trabalhei com a Petrobras no grupo do Fórum Mundial de Economia sobre esse problema. Há alguém que é o braço direito do presidente, ele é muito ativo nesse debate, mas também muito realista. Ele diz que há muitos problemas no plano local.

Valor: Esses casos envolvem quantos milhões de dólares?

Pieth: Falamos aqui da grande corrupção, a partir de US$ 1 milhão.

Valor: O caso Alstom será examinado pelo grupo da OCDE?

-------------------------------------------------------------------------------- "Em 2005, em SP, responsáveis pela compra de equipamentos sugeriram que a empresa fizesse pagamento para o caixa de partido" --------------------------------------------------------------------------------

Pieth: Cada país é avaliado, existe um relatório, por exemplo sobre o Brasil, pedimos que relate quatro vezes por ano concretamente sobre os casos que os mencionam. Com relação a Alstom, vamos certamente tratar na reunião de junho. Provavelmente o Brasil vai levantar primeiro o caso, porque fala primeiro pela ordem alfabética. Vai provavelmente dizer que não está envolvido no lado ativo. Aí então vamos indagar a Suíça e a França se há investigação formal por corrupção no Brasil.

Valor: O que acontece com uma companhia que comprovadamente pagou propina?

Pieth: Primeiro, os executivos ficam ameaçados de multas muito fortes, como aconteceu com Statoil (Noruega) e Siemens. A empresa também pode ter confiscado o ganho obtido com o contrato. E o mais severo, é que fica excluída de futuras licitações ou compras internacionais.

Valor: Existe uma lista negra de empresas já punidas?

Pieth: Há mais de cem empresas nesse tipo de listas nos EUA, na Alemanha, no Banco Mundial. Muitas são companhias pequenas, mas há algumas grandes. Não recordo de empresas brasileiras. Na lista negra do Banco Mundial, há duas companhias famosas, a canadense Acres e a alemã Lahmeier. Elas foram excluídas por alguns anos de transações internacionais em contratos financiados pelo Banco Mundial e também na Europa. Mas a OCDE não faz lista, nosso papel é indireto, de pressionar os países a respeitar as regras.

Valor: -Qual a dimensão das propinas nas transações internacionais?

Pieth: O Banco Mundial calcula em US$ 1 trilhão por ano, mas não considera os estragos decorrentes dessa prática - falta de recursos na área de Saúde, educação ruim. O problema dobrou desde o fim da guerra fria e explodiu com a globalização.

Valor: Como se explica isso?

Pieth: É a luta reforçada pelos mercados. Tem os novos exportadores, como a China. Concorrentes dos chineses me contam que perderam contratos para os chineses na América do Sul e na África por causa de propina.

Valor: Quais os setores mais envolvidos em corrupção?

Pieth: Há os mais expostos, como armamentos, defesa. Construção civil é quente, principalmente nos casos de infra-estrutura como barragem, metrô etc. Tem também casos de licença em petróleo. O que está acontecendo com as companhias desses setores é que passam o problema para intermediários. Querem vender suas mercadorias ou obter contratos e passam por intermediários para resolver isso.

Valor: A situação do Brasil se situa em qual nível, globalmente?

Pieth: O Brasil está no mesmo nível de países economicamente ativos como a Coréia do Sul e o México. A Coréia tem um contexto inteiramente diferente. No Brasil, não podemos dizer que a justiça é corrompida, isso é simplificador. Mas há dois problemas: primeiro, quando se vive numa cultura de corrupção, é mais fácil se engajar nessa prática nas transações internacional. E segundo, há a impunidade. As pessoas não crêem, estão convictas de que não serão punidas, podem comprar a impunidade. É importante sensibilizar a sociedade contra isso.

Valor: Pela sua avaliação, a corrupção aumentou ou diminuiu no país?

Pieth: Não sei se as cifras são mais baixas, mas pelo menos se fala desse assunto, e é uma melhora. Encontrei recentemente empresas que fazem estatísticas do que pagaram no ano passado. Não é nada específico em relação ao Brasil, e sim no plano mundial. Eles anotam a quem pagaram, quantas vezes no ano, qual o pagamento para liberar a mercadoria na fronteira. Antes ninguém queria falar sobre isso.

Valor: O senhor participou também da comissão de investigação com Paul Volcker sobre o programa da ONU "petróleo por alimentos". O que encontrou?

Pieth: Encontramos bastante corrupção. Um alto funcionário (da ONU), que era responsável por licitações, pegou oito anos de prisão. Constatamos que mais de duas mil companhias fizeram pagamentos ilícitos para o governo iraquiano de Saddam Hussein. Pelo menos US$ 1,8 bilhão foi pago ilicitamente. Mas havia muito petróleo contrabandeado e só aí pode ter chegado a US$ 7 bilhões.

Valor: O senhor deve sofrer muita pressão dos governos.

Pieth: Sim, Silvio Berlusconi primeiro e depois Tony Blair (ex-primeiro-ministro britânico) tentaram me derrubar (do cargo de presidente do grupo anticorrupção da OCDE). Berlusconi, porque um procurador de Milão utilizou a OCDE para reabrir um caso na Corte Constitucional contra ele. Quanto a Tony Blair, foi essa transação da BAe com a Arábia Saudita que procuramos esclarecer. O suborno seria de 1 bilhão de libras esterlinas. Havia um antigo contrato de 40 bilhões de libras e outro depois de 20 bilhões de libras. Isso geraria entre 10 e 20 mil postos de trabalho.

Valor: Como consegue se manter no cargo?

Pieth: Não sei, talvez não reste lá eternamente.

Valor: Qual o seu caso mais importante?

Pieth: É esse envolvendo a Inglaterra, e é o que me preocupa mais. A Inglaterra não tem legislação aceitável (contra subornos). Colocamos o país numa situação de sanção (na OCDE). Até outubro, vamos divulgar um relatório bastante duro sobre a Inglaterra. Também nossa reputação depende desse caso.