Título: À espera de um presidente do TSE diferente de Mello
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 09/05/2008, Opinião, p. A18

Se o ministro Carlos Ayres de Britto, que assumiu esta semana a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em substituição ao ministro Marco Aurélio Mello, cumprir a promessa de ser mais discreto e "fazer o destino nacional sem usurpar o fazer legislativo" (Valor, 8 de maio), este será um dado novo na história do tribunal eleitoral, que desde a presidência do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal e atual ministro da Defesa, Nelson Jobim, tem politizado o debate sobre a legislação eleitoral e não raro rivalizado com o Legislativo na elaboração de normas eleitorais e partidárias. Para isso, no entanto, o ministro deve resistir ao assédio da imprensa - normal quando uma pessoa pública assume um cargo de tal importância - e evitar opiniões sobre temas que certamente o colegiado do TSE se ocupará.

O presidente que sai, Marco Aurélio Mello, levou a sua vocação para o confronto ao extremo na condução do TSE, não apenas por conta de decisões do colegiado, mas, e principalmente, por declarações que melindraram outros poderes. Britto promete não fazer o mesmo, mas a intensidade com que tem freqüentado as páginas de jornais, dando opiniões definitivas sobre o que lhe tem sido perguntado e, mais ainda, definindo uma agenda em torno de normas e procedimentos a serem seguidos para os partidos, o colocam no "fio da navalha" (assim ele se referiu à questão da execução dos Territórios da Cidadania em ano eleitoral): ele é um ministro que opina, ou o ministro que mantém distanciamento de magistrado sobre assuntos pendentes de julgamento?

Desde as vésperas de sua posse, Britto propõe um termo de convivência que suas próprias declarações mostram que é difícil - o distanciamento de magistrado em relação a assuntos eleitorais e partidários, mas, ao mesmo tempo, a manutenção de um certo ativismo em questões que considera como de depuração do quadro de candidatos ou dos próprios partidos.

O equilíbrio procurado é aquele expresso no Valor na edição de ontem, quando defendia que o TSE fiscalizasse a fidelidade dos partidos aos seus programas: "Nosso trabalho de magistrado é muito delicado, muito cuidadoso, e quando nós avançamos um pouco na interpretação desse dispositivo, o Congresso reage com um novo dispositivo, produzindo uma nova legislação mais apurada". E concluiu: "Nós trabalhamos em harmonia, uma instituição ajudando a outra na perspectiva da evolução democrática". Isso significa anunciar disposição de definir regras punitivas aos partidos também com o propósito de pressionar o Congresso a "reagir", a partir daí, legislando sobre o assunto.

Também não é tranqüilizadora a veemência com que o ministro insiste no papel depurador da Justiça eleitoral. Britto puxou os três votos contrários à candidatura do deputado Eurico Miranda, quando o TRE do Rio julgou que a quantidade de processos a que ele respondia (oito) e a diversidade de crimes não o tornavam apto a ser candidato a deputado federal em 2006. O ministro foi voto vencido porque prevaleceu o entendimento constitucional de que ninguém é considerado culpado até julgamento transitado em julgado - era o caso de Miranda. Ao assumir a presidência do tribunal, Britto voltou a defender uma posição mais rígida no processo de registro dos candidatos. "Essa idéia central de que o povo merece o melhor no plano da representatividade política não começa por um juízo mais rigoroso do controle da candidatura?", indagou ele.

Não existe a menor dúvida de que partidos que não respeitam seus programas são "sepulcros caiados", conforme não cansa de repetir Britto; de que o Judiciário deve atuar como filtro na apresentação de listas de candidatos ao eleitor; não apenas justa, mas histórica, é sua condenação ao "cesarismo" partidário. A preocupação, no entanto, é com a boca de quem fala. O equilíbrio tão ansiado pelo novo presidente do TSE tem que colocar, do outro lado da balança, o compromisso a artigos da Constituição que visam preservar pessoas que respondem a ações na Justiça, mas podem ser inocentes; a preocupação com a autonomia dos partidos em relação ao poder (hoje é Britto, mas amanhã pode ser quem?); respeito à democracia interna; e, acima de tudo, a consciência de que o TSE tem que julgar, regulamentar as eleições e fiscalizar os partidos da melhor forma, mas não lhe cabe fazer as leis. Nenhum ministro do TSE tem a legitimidade do voto popular.