Título: Itália e o foco na produtividade
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 09/05/2008, Opinião, p. A19

Ao longo dos anos, observei o seguinte sobre a economia política da reforma econômica na Europa: existe uma relação inversa entre o número de objetivos e medidas de uma agenda de reformas e seu eventual sucesso. As agendas mais bem-sucedidas têm um único objetivo predominante e uma curta lista de medidas. As piores são listas com 316 propostas, como a recentemente publicada na França, ou a plataforma eleitoral de 281 páginas publicada pela aliança de centro-esquerda de Romano Prodi antes das eleições italianas de 2006. A eloqüente Agenda Lisboa da União Européia se enquadra na mesma categoria. Não é ruim em conteúdo, mas é péssimo em termos de política econômica.

Estou razoavelmente otimista acerca do futuro da reforma econômica na Itália, especialmente em função desta relação inversa. O novo governo não ofereceu listas extensas, objetivos intrincados, algumas poucas medidas sensatas e algumas menos sensatas. Então, por que deveria Silvio Berlusconi, o primeiro-ministro eleito, cumprir o prometido agora, quando deixou de cumpri-lo nos seus dois mandatos anteriores? Compartilho estas dúvidas que outros manifestaram nestas páginas e em outros lugares. Para promover uma agenda de reforma, é preciso ter propósito estratégico, maiorias sólidas e a capacidade de superar obstáculos políticos e administrativos. Berlusconi possui as duas primeiras e provavelmente carece da primeira.

O governo italiano que sai, porém, se saiu muito pior em todos os três quesitos. Prodi foi eleito primeiro-ministro em torno de uma promessa de mudança. No fim, seu governo administrou apenas duas reformas dignas de nota. A primeira são os decretos Bersani, assim chamados em homenagem ao ministro da Indústria, que trouxe maior concorrência às profissões e ao comércio varejista. Eles não são de longo alcance, mas deverão exercer efeito moderadamente positivo sobre o desempenho de longo prazo da Itália. A segunda é a consolidação fiscal, obtida quase inteiramente por meio de receitas tributárias mais elevadas. Uma das medidas mais importantes foi uma severa repressão à evasão fiscal. Isso soa como uma idéia difícil de criticar, exceto pelo fato de a evasão fiscal ter causas que permanecem intocadas. Os impostos são tão elevados como na Finlândia, mas o Estado de Bem-Estar Social é menos generoso e a qualidade dos serviços públicos, muito inferior. Não me surpreende que os italianos tenham afastado o seu governo nestas circunstâncias.

Assim sendo, quais prioridades de reformas deveria perseguir o novo governo da Itália? O problema de maior primazia da Itália é o cronicamente baixo crescimento da produtividade. Desde o começo da década, a produtividade total dos fatores (PTF) da Itália - a parte da produtividade considerada como componente estrutural - estagnou-se. Reino Unido, Alemanha, Dinamarca e Holanda obtiveram taxas de crescimento da PTF, próxima de 1%.

-------------------------------------------------------------------------------- Impostos são tão elevados como na Finlândia, mas Estado é menos generoso e, por isso, não surpreende que italianos tenham afastado seu governo --------------------------------------------------------------------------------

Para dizer a verdade, a Itália teve, de fato, algum sucesso na elevação do nível de emprego, mas essa melhora infelizmente veio inteiramente à custa do crescimento da produtividade. Sem uma melhora na PTF, não consigo enxergar como o país prosperará na zona do euro no longo prazo ou como reduzirá os seus elevados níveis de endividamento público. Portanto, o problema da PTF precisa ser equacionado com a máxima prioridade.

A maior parte do péssimo desempenho da produtividade da Itália está concentrada no setor público, um dos mais onerosos e menos eficazes da Europa. Da centro-esquerda à centro-direita, não há partido que ofereça uma agenda de reforma em larga escala, mas a centro-direita é ligeiramente mais ambiciosa, prometendo abolir níveis inteiros da administração pública e, com elas, o número excessivamente grande de pessoas que vivem de política. Dado o seu elevado nível de endividamento público, a Itália não está numa posição de compensar funcionários públicos ineficientes como parte de uma reforma radical. O governo Prodi tentou uma abordagem consensual que não o levou a lugar algum. Sem a determinação de confrontar os sindicatos de trabalhadores do setor público, não haverá nenhuma reforma fundamental.

Uma prioridade dentro do setor público é a Educação. A Itália tem notas educacionais assombrosamente baixas nas comparações internacionais, que não decorrem de uma falta de gastos públicos, mas da adoção de prioridades erradas e da aceitação de práticas restritivas por parte dos professores. Um estudo recente intrigante do Centro Europa Ricerche (Report on Europe: Which way forward after Lisbon Strategy? www.centroeuroparicerche.com.it - Relatório sobre a Europa: como avançar após a Estratégia de Lisboa?) concluiu que as taxas de crescimento da PTF na UE estão fortemente correlacionadas com uma capacidade de falar inglês. Porque isso precisa ser assim? O inglês é o idioma dominante na internet e alguns economistas já atribuíram aumentos no crescimento da PTF à forma como os países usam tecnologias de informação e comunicação.

Segundo a Eurostat, o escritório de estatísticas da UE, 56% dos questionados na Itália em 2005 jamais haviam usado um computador e 72% jamais haviam usado a internet. Um grande número de italianos efetivamente não está participando do século XXI. A situação está melhorando gradativamente à medida que a banda larga vai se tornando disponível, mas a Itália tem um longo caminho para equiparar-se aos demais da UE.

Esses temas são as minhas prioridades. Enfrentá-las remeterá a Itália a avanço superior a qualquer lista de 100 pontos; além disso, permitirá ao governo Berlusconi cometer todos os atos estúpidos, que cometerá de qualquer forma, com alguma impunidade.