Título: Tesouro será gestor do fundo soberano
Autor: Safatle, Claudia ;Galvão,Arnaldo
Fonte: Valor Econômico, 09/05/2008, Finanças, p. C1

O Tesouro Nacional será o gestor do fundo soberano, que o governo pretende criar até o final de junho, provavelmente por medida provisória. No mesmo ato legal que vai criar esse fundo, o governo autorizará o Tesouro a comprar dólares no mercado doméstico em montante a decidir. Hoje o Tesouro é limitado a comprar dólares no valor da sua dívida externa a vencer doze meses a frente e quem opera no mercado de câmbio é o Banco Central.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, explicou ao Valor que o fundo deve ser capitalizado inicialmente com recursos fiscais. A idéia é vincular um tributo ao fundo, tal como faz o Chile e a Rússia, em imposto cobrado sobre o cobre e o petróleo, respectivamente. No futuro, esse tributo poderá incidir sobre o petróleo que será extraído da camada do pré-sal. Quanto a concorrer com o BC na compra de dólares internamente, ele disse: "O Tesouro já faz isso (captará este ano US$ 9 bilhões para pagar dívida) e fará mais combinado com o Banco Central" . O ministro atestou: "O Meirelles (presidente do BC) esteve aqui e já disse que concorda com o fundo e que não vamos competir com o BC".

Mantega rebate a principal crítica à idéia de criação de um fundo soberano: a de que o país não tem situação fiscal sólida para tanto. Os países que dispõem de fundos soberanos, em geral, têm superávit no conceito nominal das contas públicas, ou seja, abatidas as despesas correntes e financeiras, ainda sobram recursos. "Quem disse que não temos superávit nominal?", indagou o ministro, citando os dados fiscais do primeiro trimestre, que resultaram num superávit nominal de 0,45% do PIB no ano, mas um déficit de 1,64% do PIB no cálculo acumulado em doze meses.

Ele admite que ao final do ano o resultado das contas nominais será deficitário, mas argumenta que "podemos ter déficit nominal e, mesmo assim, canalizar alguma arrecadação (receita primária) para esse fundo. É como se você não gastasse. Em vez de usar os recursos para fazer gasto corrente, coloca lá", disse.

"Vamos ter de achar uma fonte de receita para o fundo, que poderá ter várias funções. Entre elas, reserva de poupança pública." Outra forma de capitalizar esse fundo poderá ser por captação de recursos nos mercados externos.

Mantega argumenta que esse fundo poderá vir a ser, inclusive, um instrumento de política anticíclica. "Se não gastarmos os recursos colocados no fundo, ele será anticíclico. Se jogo receita primária nele e não faço despesa primária, se torna anticíclico. Fica lá como uma reserva." Outra forma de capitalizar esse fundo poderá ser por captação de recursos nos mercados externos.

A intenção do governo, porém, não é exatamente a de fazer uma reserva de recursos fiscais. Pelo menos não agora. O que se deseja é usar esse fundo para dar capacidade ao BNDES de financiar empresas brasileiras no exterior, superando, assim, as restrições de operação do banco internamente.

A subsidiária do BNDES no exterior, que será criada em um paraíso fiscal, emitirá debêntures, por exemplo, e o fundo soberano adquirirá esses papéis. Para pagar os dólares ao BNDES, o fundo adquirirá a moeda mercado doméstico, que pagará com reais. Estes, em seguida, são retirados da economia através da colocação de títulos públicos. Essa operação, portanto, terá custo fiscal relevante enquanto os juros internos, que remuneram os títulos públicos, forem mais elevados que os cobrados no exterior.

Os reais que vão ser usados para comprar os dólares, assim, serão obtidos com a arrecadação de tributos, no que seria, no final das contas, uma transferência de recursos fiscais para a instituição de fomento. A subsidiária do BNDES usará os recursos captados para emprestar às empresas brasileiras que queiram se internacionalizar através do comércio ou mediante investimentos em infra-estrutura na América Latina e África.

O fundo soberano concebido pelo ministro não usará recursos das reservas cambiais. Estas, hoje de US$ 196 bilhões, ficam apartadas e poderão continuar aumentando se houver maior volume de ingresso de dólares atraídos pela nova classificação de grau de investimento do país. "Temos que ter reservas, que são garantia para a dívida brasileira e continuarão dessa maneira. O fundo será (formado) com uma outra fatia, que não será das reservas (já acumuladas). Será recurso novo".

Mantega voltou a descartar a possibilidade de adotar novas medidas de controle de capitais. Ele acredita que boa parte do grau de investimento já foi antecipada nos últimos dois anos, quando entraram no país mais de US$ 70 bilhões por ano. Se não vai haver ingresso maciço de dólares no país, não haveria por que falar em controle de capitais para evitar valorização adicional da taxa de câmbio. "Não estou estudando (medidas de controle), mas o que estou dizendo é que não vejo como provável uma enxurrada de capital externo porque o o país já tinha adquirido essa condição. Não há muita novidade. O que poderá ter é a vinda dos fundos de pensão conservadores, mas eles não fazem investimentos especulativos. Não preocupam", diz.