Título: Pergunta desastrada da oposição fortalece Dilma em depoimento
Autor: Ulhôa , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 08/05/2008, Política, p. A8

A ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) saiu ontem politicamente fortalecida do seu primeiro confronto direto com a oposição, no Senado, durante debate sobre o dossiê de gastos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O cenário foi montado para constranger Dilma, mas a oposição parecia despreparada para o embate. A ministra discorreu tranqüilamente sobre o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e, em cerca de nove horas de audiência pública e 40 intervenções, driblou as tentativas de constrangimento na questão do dossiê.

Logo no início da reunião da Comissão de Infra-Estrutura, uma intervenção do líder do DEM, senador José Agripino (RN), deu oportunidade para Dilma mostrar-se como a ex-militante política que lutou contra a ditadura militar, foi torturada aos 19 anos de idade e não entregou seus companheiros. Foi quando o senador do DEM citou entrevista da ministra, na qual ela afirmava ter mentido ao sofrer torturas físicas.

Numa intervenção considerada desastrada pelos próprios companheiros de oposição, Agripino considerou a mentira de Dilma justificável naquela época, em que o país vivia um regime de exceção. Acabou comparando a montagem do dossiê de gastos de FHC com práticas da ditadura. Tudo para, ao final, pedir que Dilma esclarecesse os fatos relativos à elaboração do documento.

"Eu tenho medo de estarmos voltando ao regime de exceção. O Estado policialesco permite o Estado de exceção. O dossiê, na minha opinião e na de muitos brasileiros, é o retorno do regime de exceção para encostar algumas pessoas na parede, entre elas o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e dona Ruth Cardoso. Com todo o respeito, eu gostaria que dessa reunião resultasse o esclarecimento definitivo", disse Agripino.

A ministra reagiu emocionada, mas com firmeza. "Eu fui barbaramente torturada. Qualquer pessoa que ousar falar a verdade para os torturadores, entrega os seus iguais. Aguentar tortura é algo dificílimo. A dor é insuportável. Eu me orgulho imensamente de ter mentido na tortura. Salvei companheiros da morte", enfatizou. Dilma disse que, na década de 70, estava em "momento diferente" de Agripino. Foi aplaudida.

A partir daí, a ministra passou a discorrer sobre o PAC. Enquanto citava números e obras que vem repetindo à exaustão nos últimos meses, senadores da oposição lamentavam a estratégia de Agripino, que era comemorada pelos governistas. "Agripino permitiu a ela resgatar a biografia, mostrar que foi militante contra a ditadura e que tem humanidade e sofrimento. Esse debate da luta contra a ditadura nos interessa A oposição ficou com cara do passado e nós, do novo", avaliou o senador Aloizio Mercadante (PT-SP).

Para o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), a ministra "provou que aguenta pressão e passou por um teste importante". Nas avaliações, a constatação de que o episódio permitiu o crescimento de Dilma como pré-candidata a presidente da República. "Ela era referência administrativa. A oposição tentou trazê-la para o cenário político e ela se conduziu bem, saiu maior do que entrou", disse Jucá. "Fizeram uma pergunta infeliz no começo e ela cresceu", afirmou o presidente da CI, senador Marconi Perillo (PSDB-GO). "O senador Agripino colocou a bola no gol para a ministra chutar o pênalti e tirou o goleiro", definiu o deputado Paulo Teixeira (PT-SP). No início da palestra sobre o PAC, Dilma pareceu abalada, trocando palavras e letras. Depois, retomou o controle.

Mostrou bom humor, riu com as contestações da senadora Kátia Abreu (DEM-TO) a respeito das obras do PAC, deu ao senador Heráclito Fortes (DEM-PI) uma publicação com as obras do PAC no Piauí e negou viés eleitoreiro no programa, citando governadores da oposição que estão sendo beneficiados. E, ao ser confrontada por Demóstenes Torres (DEM-GO) sobre o caráter sigiloso dos gastos da Presidência, admitiu que levaria em consideração. Ao ser desafiada por Tasso Jereissati (PSDB-CE) para visitar o Ceará, para verificar informações que seriam equivocadas de obras incluídas no PAC, Dilma aceitou na hora.

Durante o debate na comissão, a ministra repetiu que não há dossiê e sim um banco de dados montado na Casa Civil em atendimento a uma recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU). Para Agripino, ela "não foi convincente, porque só respondeu o que quis". Álvaro Dias (PSDB-PR) disse que a autoridade maior não pode fugir da responsabilidade penal, lembrando que o episódio ocorreu na pasta comandada pela ministra. Ele cobrou explicações sobre quem ordenou a montagem do dossiê, que elaborou e quem vazou. As perguntas ficaram sem respostas.