Título: OMC pede a EUA e China que corrijam distorções
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Fonte: Valor Econômico, 08/05/2008, Especial, p. A14
A Organização Mundial do Comércio (OMC) alerta os Estados Unidos e a China para que ajustem suas economias sem afetar ainda mais a situação global, segundo relatórios confidenciais aos quais o Valor teve acesso.
A entidade sugere que os EUA evitem medidas protecionistas, inclusive em relação aos investimentos estrangeiros, na sua tentativa de reduzir o gigantesco déficit em contas correntes, que alcançou 5,3% do PIB em 2007.
Com relação a China, a entidade pressiona por um regime cambial mais flexível e para que reduza a acumulação do enorme superávit em conta corrente, que provoca tensões com os parceiros.
As duas grandes economias serão submetidas ao exame dos 151 países-membros da OMC, em sessões separadas este mês e em junho, com base nos relatórios confidenciais preparados pelos economistas da entidade.
A vigilância de políticas macroeconômicas nacionais tornou-se uma atividade considerada fundamental para a OMC, que cada vez mais se preocupa com os efeitos que elas podem ter nas políticas comerciais. A idéia é permitir que os participantes no comércio tenham maior clareza sobre as condições em que podem operar.
Desde a última vez em que foram examinadas, em 2006, as economias dos EUA e da China tiveram diferente desenvolvimento. A economia americana se "deteriorou de maneira apreciável" desde fim de 2007, com o PIB desacelerando "consideravelmente", refletindo os efeitos negativos da crise imobiliária e da turbulência nos mercados financeiros.
A China, por sua vez, continuou crescendo mais de 10% ao ano, e o problema agora é como desaquecer sua economia.
Juntos, os dois gigantes enfrentam o problema da inflação - como o resto do mundo, aliás - provocada pela alta dos preços do petróleo e de alimentos.
Também nesse caso, tomaram rumos diferentes. A entidade nota que os EUA baixam a concessão de subsídios agrícolas, já que os agricultores já recebem mais por seus produtos. Já a China aumentou as subvenções, de acordo com seu plano de produzir mais por segurança alimentar.
Desta vez, os dois exames ocorrem em meio a incertezas que prevalecem na economia global. Pascal Lamy, diretor-geral da OMC, insistiu ontem que um acordo na Rodada Doha pode ajudar mais tarde a atenuar a crise atual.
Com a desaceleração econômica e medidas fiscais adotadas este ano pelo governo de George W. Bush, a entidade avalia que, na prática, o déficit fiscal americano vai aumentar em 2008.
Constata que, até agora, a disposição dos estrangeiros em investir nos EUA tem sido vital para gerar a grande entrada de capital externo, necessário para financiar o déficit em conta corrente. Mas insiste que a "sustentabilidade do déficit não pode ser tomada por garantida" e que esse cenário traz riscos, como uma alta do sentimento protecionista.
"Medidas comerciais restritivas não são respostas apropriadas", diz o documento. E avisa que, para reduzir o déficit em contas correntes, os EUA vão precisar também expandir suas exportações, e isso será facilitado por liberalização e maior demanda das outras economias.
Por isso, a OMC conclama o governo americano a continuar a reduzir barreiras comerciais e "outras medidas distorcivas", incluindo programas de subsídios que são mais concentrados em agricultura e energia e que afetam os mercados globais.
Quanto à China, a OMC avalia que o país tem condições de alcançar a meta de dobrar a renda per capital em 2010, comparada a 2000. Com seus vastos recursos humanos, investimentos, forte crescimento da produtividade do trabalho e abertura comercial, acha que a China tem potencial para manter um crescimento sustentável, mas com taxas menores à medida que a economia "amadurece e a força de trabalho começa a diminuir".
A entidade alerta sobre uma série de desafios para a economia chinesa, a começar pela "crescente disparidade" de renda entre as regiões urbana e rural, que também se reflete na produtividade. A OMC aconselha Pequim a ampliar os gastos do governo em serviços sociais e aposentadoria, o que reduziria a necessidade de poupança e assim aumentaria o consumo.
Para a entidade, o estímulo ao consumo interno é fundamental para reduzir a dependência do crescimento pelas exportações, o enorme fosso entre poupança nacional e investimento doméstico, e assim baixar seu enorme saldo em conta corrente.
Nesse cenário, a entidade que fiscaliza o comércio mundial insiste que um regime cambial mais flexível ajudaria a China a operar uma política monetária mais independente, a baixar a inflação e a dar mais sustentabilidade ao crescimento econômico.
Em janeiro, o yuan valorizou quase 1,6% em relação ao dólar americano, mas sua cotação continua a ser vista, por vários parceiros, como um subsídio disfarçado para as exportações chinesas.