Título: O preço da nova bolsa
Autor: Ragazzi , Ana Paula ; Cotias,Adriana
Fonte: Valor Econômico, 08/05/2008, EU & Investimentos, p. D1

Se os acionistas da Bovespa Holding e da BM&F aprovarem hoje a integração das duas bolsas nos termos propostos, o negócio representará o esvaziamento de 80% do caixa de R$ 1,5 bilhão da BM&F. O dispêndio vem num momento em que, juntas, as bolsas de ações e de mercadorias têm ambições além das fronteiras, com planos que contemplam atalhos por meio de aquisições para criar um centro financeiro na América Latina.

A nova bolsa terá o capital dividido meio a meio entre as duas bolsas. Por ter maior valor de mercado, e para garantir essa igualdade de relação, a BM&F vai pagar R$ 1,24 bilhão para os acionistas da Bovespa. O dinheiro sairá do caixa da bolsa de futuros que, ao fim de 2007, era de R$ 1,5 bilhão. "A bolsa está pagando hoje uma espécie de dividendo extra, que reflete uma expectativa futura para o negócio, já embutida nas cotações, mas que ainda não se confirmou", diz o professor de finanças do Ibmec-SP Ricardo José de Almeida.

Para ele, isso representa uma descapitalização inconsistente com a estratégia de expansão, que passa também por aquisições. A percepção é de que, unidas, BM&F e Bovespa trarão para a América Latina o movimento global de consolidação entre bolsas, já observado em outros continentes desde o início do milênio. "Não se pode descartar que a bolsa terá de fazer no futuro um aumento de capital para fechar compras ou novos investimentos", acrescenta.

O caixa líquido da Bovespa era de R$ 1,6 bilhão no fim de 2007. As bolsas são grandes geradoras e acumularam recursos porque antes da abertura de capital, no ano passado, não podiam distribuir dividendos. Agora podem.

Segundo dados da Thomson One Analytics, os especialistas projetam para 2008 crescimento de 453% no negócio BM&F, com um preço/lucro (P/L, a relação entre a cotação e o lucro, que pode dar uma idéia do prazo de retorno do investimento) de 40 vezes. Para a Bovespa, a expansão esperada é de 300%, com um P/L de 27 vezes. Comparativamente, para a Nyse Euronext, já madura, a expectativa é de um incremento de 25%, com P/L de 22 vezes. Os múltiplos elevados das brasileiras seguem a lógica de que, mesmo separadas, as bolsas têm um potencial de expansão gigantesco num curto intervalo.

Apesar da expectativa de consolidação na América Latina, os pares regionais têm tamanhos muito pequenos. Apenas Bovespa e BM&F têm capital aberto e, portanto, um valor dado pelo mercado. Olhando-se os números disponíveis, das bolsas da região, o impacto de eventuais aquisições poderá ser mesmo pequeno para o negócio das brasileiras.

Em abril, a Bovespa atingiu uma capitalização de US$ 1,454 trilhão, 3,5 vezes maior do que a bolsa do México e com uma liquidez diária que supera em 5 vezes a mexicana, cita o analista da Itaú Corretora Victor Mizusaki. "O tamanho atingido pelo mercado brasileiro justifica o posto privilegiado que o país já ocupa entre as bolsas da América Latina. "Com esse porte é mais fácil a nova bolsa ser uma consolidadora do que ser comprada."

Os números de outras bolsas da região são mais modestos. Na Bolsa de Santiago, no Chile, a capitalização de mercado era de US$ 221 milhões em abril , com média diária negociada de US$ 122 milhões. No caso da Colômbia, os valores eram de US$ 104 milhões e US$ 83 milhões, respectivamente.

Esses mercados terão de comer muito arroz e feijão para experimentar a mesma explosão observada no Brasil, segundo Almeida. "A estratégia de expansão pela América Latina deverá passar pelo desenvolvimento dos vizinhos para justificar a formação de um pólo latino-americano que hoje se resume à BM&F Bovespa", afirma.

A nova bolsa nasce com um valor de mercado na casa dos R$ 35 bilhões. Se a tese da consolidação vingar, bom para quem tem ações da Bovespa e da BM&F e na troca pelos ativos da companhia resultante pode capitalizar um mercado que promete entrar em ebulição, especialmente após o grau de investimento. "A Bovespa já é um centro de referência na América do Sul, mas há indícios que lhe permitem chegar a esse estágio em toda América Latina", diz o diretor associado da Ernst & Young no Brasil Gerson Caner. O fato de a bolsa de ações brasileira contar com expressiva presença do capital externo faz com que empresas localizadas em países como Chile, Colômbia e Argentina sejam atraídas por essa liquidez.

Além de ganhar musculatura para competir no mercado global, a nova bolsa vai se apropriar de sinergias operacionais que podem representar uma economia anual de R$ 125 milhões em tecnologia da informação e despesas de pessoal, estima Mizusaki, do Itaú. O grau de investimento deve significar um incremento negocial em renda variável e quem tem os papéis da Bovespa pode ver esse reflexo nas ações, diz a analista da Ativa Corretora, Luciana Leocádio. "Apesar de a bolsa ter hoje um prêmio em comparação às internacionais, ela pode se beneficiar de uma nova classe de investidores que vai acessar o mercado brasileiro"

A investida de uma bolsa estrangeira sobre as brasileiras também fica mais difícil, até porque a cláusula de "poison pill", que prevê uma oferta pública caso um único acionista atinja determinado percentual, encareceria qualquer tentativa, destaca o chefe de análise da Planner Corretora, Ricardo Tadeu Martins.