Título: Descompasso maior entre consumo e produção afeta PIB do 1º trimestre
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Fonte: Valor Econômico, 12/05/2008, Brasil, p. A12

O descompasso entre produção e consumo no país cresceu no primeiro trimestre e vai ficar mais claro nas estatísticas do Produto Interno Bruto (PIB), que serão divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no começo de junho.

Os dados de produção industrial de março (com crescimento de apenas 1,3% sobre março de 2007) reforçaram nos analistas a avaliação de que o crescimento da oferta de bens ganhou um ritmo mais moderado neste começo de ano, enquanto as vendas do comércio (alta de 16% na comparação entre os primeiros dois meses de cada ano, incluindo automóveis e materiais de construção) e o aumento forte das importações (18% até março, em volume) mostram uma demanda ainda acelerada.

As previsões das consultorias econômicas para o comportamento do PIB do primeiro trimestre mostram um crescimento entre zero e 0,8% na comparação entre o primeiro trimestre deste ano e o último do ano passado, já considerando os fatores sazonais. Na comparação com o início de 2007, as projeções indicam uma alta entre 5,5% e 5,8%.

As duas comparações embutem uma desaceleração em relação ao ritmo forte dos últimos três meses de 2007. Naquele trimestre, o PIB cresceu 1,6% sobre o terceiro e 6,2% em relação aos últimos três meses de 2006. Fernando Monteiro, economista-chefe da corretora Convenção, não estende essa desaceleração à demanda. "A absorção interna aumentou", diz, em referência ao total do PIB que é consumido internamente mais as importações.

No último trimestre de 2007, enquanto o PIB cresceu 6,2%, a absorção interna aumentou 8,2%. Para este início de 2008, Monteiro projeta uma demanda interna crescendo 9% e um PIB com alta de 5,8% sobre os primeiros três meses de 2007. "A balança comercial mostra que estamos consumindo mais que o PIB", afirma Monteiro.

Nas contas do departamento econômico do Banco Real, a absorção interna acumula, em quatro trimestres, crescimento de 7,2% , superior aos 6,9% de alta apurados nos quatro trimestres encerrados em dezembro de 2007. Para as mesmas variações, as projeções do Real apontam um aumento da oferta (PIB) de 5,6%, pouco acima dos 5,4% do PIB do ano passado.

Zeina Latif, economista-chefe do banco, calcula que o PIB do primeiro trimestre cresceu 0,3% (ou um pouco mais) sobre o final de 2004 e projeta uma alta de 5,5% na comparação com o início de 2007. "Estamos com uma taxa de crescimento mais modesta, mas isso é bom". Além da leve desaceleração ser boa para inibir pressões inflacionárias, a composição do crescimento faz parte da boa notícia, explica. Ela estima que apesar da menor contribuição do consumo das famílias ao PIB (após crescer 3,7% no quarto trimestre em relação ao terceiro, o investimento continuou em alta). "Estimo um crescimento de 3,6% neste indicador".

A LCA Consultores tem outra visão do comportamento da economia neste início de ano e avalia que ela pode apenas repetir o último trimestre de 2007, sem nenhum crescimento. Depois da alta de 1,6% no quarto trimestre de 2007, a LCA aposta em expansão entre zero e, no máximo, 0,5% na comparação com o trimestre anterior.

"A economia desacelerou e não foi pouco. O ritmo médio de crescimento entre um trimestre e o trimestre seguinte foi em torno de 1,5% em 2007. Neste ano, vai ficar em 1%", diz Bráulio Borges, economista-chefe da consultoria. Em relação ao primeiro trimestre de 2007, a LCA projeta alta de 5,5%, em função da base fraca de comparação. "A economia começou a acelerar a partir do segundo trimestre de 2007", acrescenta Borges, que prevê aumento de 4,7% no PIB de 2008 ante os 5,4% de 2007.

Na sua avaliação, além do efeito negativo sobre o PIB exercido pelo setor externo, com alta de importações e queda de exportações, o primeiro trimestre mostrará o início do arrefecimento da atividade doméstica. "A demanda continua crescendo, mas já entrou em outro ritmo, o que é mais saudável nesse contexto de preocupação do Banco Central com a contaminação de preços em 2009", afirmou Borges.

João Sicsú, diretor de macroeconomia do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), diz que a economia deste ano andará no mesmo ritmo de alta de 2007. O Ipea prevê que o PIB suba de 4,2% a 5,2% em 2008. "A indústria tende a desacelerar, mas há fortes indícios de que a construção civil e o comércio mantiveram o mesmo ritmo de alta. Não acredito que o PIB do primeiro trimestre seja definidor".

"É uma desaceleração saudável que não vai significar nenhum colapso, é bem-vinda", analisa o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale. A MB projeta expansões de 0,5% no PIB do primeiro trimestre em relação ao quarto trimestre de 2007 e de 5,5% sobre o mesmo trimestre do ano passado.

O maior efeito negativo sobre o PIB virá da forte alta das importações, diz Vale, para quem a demanda interna deve começar a desacelerar, mas de forma suave. Ele cita que no indicador dos últimos 12 meses, a demanda doméstica ainda mostra aceleração, passando de 7,1% em dezembro de 2007 para 7,6% em março de 2008. Devido aos sinais de redução do ritmo de alta da renda e do crédito, o consumo das famílias deve passar a ter alta de 6% a 6,5% no primeiro trimestre em relação ao mesmo trimestre do ano anterior e ficar abaixo da taxa de 8,6% do quarto trimestre.

"Onde o BC olha, todos os elementos são de alta, mesmo com o PIB desacelerando. Mas a tendência é que aconteça mais desaceleração nos próximos trimestres por conta da alta nas taxas de juros ", acredita Vale, que prevê que o BC continue a elevar a Selic e aposta em alta de 4,7% no PIB de 2008.

O diretor de pesquisas e estudos econômicos do Bradesco, Octavio de Barros, cita a desaceleração suave do crédito para a compra de veículos e para pessoas físicas no primeiro trimestre ao corroborar com a previsão de leve desaquecimento interno. O Bradesco também prevê alta de 0,5% no PIB do primeiro trimestre.