Título: Bom Futuro volta a ser esperança de riqueza
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 12/05/2008, Empresas, p. B6

Desde o sete anos de idade no Bom Futuro, Wemersson Maciel viveu a decadência da mina e agora comemora sua retomada Aos 24 anos de idade, Wemersson Moreira Maciel conhece pouca coisa na vida além da mina de estanho do Bom Futuro, na cidade Ariquemes (RO), a 200 km ao sul de Porto Velho. Chegou lá com a mãe ainda bem menino, aos sete anos de idade, e nunca mais foi embora. Foi no garimpo que passou a infância e a adolescência, ganhou seu primeiro dinheiro, parou de estudar e conheceu Paula, que já lhe deu duas filhas, que também nada conhecem que não essa área de 3,5 milhões de metros quadrados que transformou em um deserto barrento e enlameado o que há pouco mais de 20 anos era a densa floresta amazônica.

Wemersson, assim mesmo com dáblio e dois esses, foi um dos poucos a continuar no Bom Futuro na virada da década, quando aquela que havia sido a maior mina de estanho a céu aberto do mundo chegou ao auge de sua decadência, iniciada alguns anos antes por conta do baixo preço do metal e do vigor já limitado dos veios. Dos cerca de 20 mil homens que extraíam até 20 mil toneladas de estanho por ano no Bom Futuro durante a primeira metade dos anos 90, ficaram apenas umas poucas centenas que acreditavam que ainda poderia haver minério ali ou que não tinham para onde ir.

Como nada sabe fazer senão buscar o estanho em meio ao barro e a lama, Wemersson ficou e agora está se tornando um espectador privilegiado do renascimento da mina do Bom Futuro. Desde 2004, quando uma cooperativa formada por sete famílias de garimpeiros e empresários adquiriu a antiga Ebesa (Empresa Brasileira de Estanho), companhia formada por um consórcio de empresas liderado pela Paranapanema, a produção estancou o ritmo de queda. Agora, com a tonelada do estanho valendo cerca de US$ 24 mil, Wemersson e as cerca de 2,5 mil pessoas que vivem dentro do garimpo são só esperanças de que os bons tempos retornem. "Ainda tem muito minério para ser tirado daqui e enquanto aqui estiver dando, não penso em ir embora", diz ele, que hoje ocupa o posto sonhado por qualquer um dos operários que trabalham ali: passar 12 horas por dia revirando os barrancos de terra vermelha que compõem a paisagem árida a bordo de uma moderna retroescavadeira.

Wemersson faz parte de um exército de cerca de 800 homens que trabalham para as sete empresas que são as donas da Coopersanta, a cooperativa que assumiu a Ebesa. Foram elas que investiram na manutenção da mina e agora estão colhendo os frutos gerados pela mecanização do garimpo e, claro, pelo preço recorde que o estanho está alcançando no mercado externo.

Só em 2007 a Coopersanta tirou 2,7 mil toneladas do metal de Bom Futuro e teve um faturamento de cerca de R$ 80 milhões. Para esse ano a cooperativa estima que a produção deva chegar às 3 mil toneladas e a receita com a venda do minério passar dos R$ 100 milhões. Com isso, a cooperativa vai consolidar a posição de segunda maior produtora de estanho do país, com cerca de 18% da produção brasileira, que deve encerrar o ano em entre 12 e 15 mil toneladas. Em 2006, a primeira foi Taboca S.A., da cidade de Pitinga, no Amazonas, com 57,7% da produção.

A Mina do Bom Futuro foi descoberta ao acaso em 1987, quando Amoz Oliveira Martins, na época dono de uma pequena serraria em Ariquemes, extraia madeira na região. "Estávamos lá cortando uma árvore quando uma das pessoas que trabalhavam com a gente viu uma pedra de cassiterita (o estanho bruto) no chão", relembra ele, que hoje continua no ramo da madeira. "Na hora ele viu que era minério, não teve dúvidas."

Em poucos dias a notícia de que havia estanho aflorando em Ariquemes se espalhou por Rondônia. Em poucos meses, toda a região Norte já conhecia a história. Não demorou muito para que garimpeiros de todos os estados chegassem ao local e pouco demorou também para que registros de pesquisa e exploração fossem feitos junto ao Departamento Nacional de Produção Mineral, o DNPM. "Não percebi o valor que aquilo tinha e perdi uma grande oportunidade", diz Amoz, um paranaense que veio tentar a sorte em Rondônia em 1976, aos 18 anos.

Um ano depois a Cesbra, a Paranapanema e a Oriente Novo se uniram e criaram a Ebesa. Em poucos meses conquistaram o direito de lavra e se tornaram donas da Mina do Bom Futuro. Por dez anos a região se tornou a maior mina de estanho a céu aberto do mundo e a maior produtora do país. Até que em 1998 a produção começou a escassear, o preço do minério caiu a menos de US$ 5 mil dólares a tonelada e as três empresas desistiram do negócio.

Foi nessa época também que a Coopersanta decidiu assumir a empreitada. Formada por sete famílias de garimpeiros e empresários que já atuavam de forma mais estruturada, a cooperativa recebeu os direitos de lavra da Ebesa. "Foi ali que começamos a nos estruturar, que começamos assumir a mina mesmo", diz Ronaldo Barberena, um ex-técnico em mineral que chegou ao Bom Futuro em 1988 como funcionário da Paranapanema. Em 98 esse gaúcho de Arroio Chuí saiu da Paranapanema, se uniu às famílias que controlam a Coopersanta e se tornou o diretor-geral da cooperativa, mesmo sem extrair minério da mina.

Os anos seguintes foram os piores na história da Bom Futuro. Trabalhando ainda de forma artesanal, a produção caiu, assim como o preço do estanho no mercado internacional, que chegou a US$ 3,5 mil a tonelada. "Foi quase todo mundo embora, a produção chegou a menos de 1 mil tonelada por ano", diz ele. Quando tudo levava a crer que o futuro da mina não seria nada bom, as coisas começaram a virar Em 2003 o estanho voltou a se valorizar, a produção aumentou, os garimpeiros voltaram e a energia elétrica enfim chegou ao Bom Futuro, o que reduziu em até 50% o custo de exploração. Um ano depois a cooperativa comprou a totalidade da Ebesa e o direito de exploração da região de forma definitiva.

"Estaria tudo perfeito mesmo se o dólar ainda estivesse a R$ 2,7", diz Paulo Amâncio Mariano, dono de uma das sete empresas que controlam a Bom Futuro. Paulo, um paranaense que veio para Rondônia ainda na década de 70, chegou na mina com uma pá e uma picareta. Juntou-se a um grupo de garimpeiros e logo nos primeiros meses encontrou muito estanho. "Foi um início duro, morávamos em barracão de lona preta e passávamos o dia inteiro furando a pedra e escavando a terra", diz ele, que já investiu mais de R$ 6 milhões em equipamentos para a sua empresa, a mineradora Ponte Alta. Hoje Paulo não pega mais no pesado. Apenas coordena seus quase 100 empregados.

Wemersson é um deles. Mas suas pretensões estão longe da realidade confortável que Paulo vive hoje. Para ele, enquanto existir estanho na mina de Bom Futuro, tudo está bom. "Cresci aqui, essa é minha casa e quero continuar aqui", diz ele, que visita Ariquemes, a cidade mais próximo da Mina, no máximo uma vez por mês para gastar parte dos R$ 2 mil que recebe por mês. "Não gosto de lá não, aqui é mais tranqüilo", diz, enquanto coloca Raul Seixas para tocar no aparelho de som da retroescavadeira em que passa metade dos dias.