Título: Chineses usam blogs, mensagens e celular para saber sobre tremor
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 13/05/2008, Internacional, p. A11
Quando o terremoto começou, o primeiro instinto de um universitário da província de Sichuan, a uns cem quilômetros do epicentro, foi se proteger embaixo de algum móvel no quarto de seu alojamento estudantil. O segundo foi gravar o incidente e pôr na internet.
Em poucas horas, milhares já haviam visto as imagens tremidas mas viscerais de um dos maiores e mais devastadores terremotos na história recente da China: um estudante agachado sob uma escrivaninha tentando calçar seu tênis enquanto objetos caem no chão. No Instituto Jingshan da Universidade Sichuan, o documentarista, que não aparece no vídeo, grita: "Entre online! Avise os outros!"
Num momento em que a maior população de usuários de internet e celulares do mundo passa por um grande desastre, muitos estão se voltando à tecnologia em vez de esperar que o governo da China espalhe a notícia. Os chineses disseminaram com rapidez as informações via microblogs, mensagem instantânea e vídeos online que atingiram milhões de pessoas. Em cidades por toda a China, muitos se agarraram a seus celulares para receber as últimas notícias.
O resultado foram alguns relatos extremamente rápidos e testemunhais, assim como a multiplicação de rumores. Num deles, previsões errôneas sobre o número exato de tremores pós-choque em Pequim e Xangai foram passadas via torpedos, forçando a agência de notícias estatal Xinhua a dar uma matéria para aplacar o pânico.
"Rumores de que pós-choques entre dois e três na escala Richter poderiam acontecer em Pequim entre as 22 horas e a meia-noite simplesmente não eram verdadeiros", divulgou a Xinhua, citando Yang Wei, diretor da agência sismológica do Estado. Os boatos perturbaram tanto Charles Wang, um executivo de relações públicas de Pequim de 29 anos, que ele disse que ficaria acordado além da meia-noite para evitar o risco de pós-choques em edifícios.
A disseminação de novas tecnologias de comunicações também ajudou a tornar o governo mais transparente. No passado, o governo chinês muitas vezes tentou manter sob sigilo informações sobre desastres, mas nos últimos anos a mídia controlada pelo Estado têm sido mais rápida em relatar tais incidentes. Ontem, por exemplo, a agência Xinhua divulgou um fluxo contínuo de relatos detalhando a amplitude da devastação e atualizando o número de mortos.
Usuários em Chengdu, a capital de Sichuan, logo disseminaram a notícia de pós-choques que continuaram até bem depois das 22h, cerca de 8 horas depois do terremoto, por meio de serviços de microblogs como Twitter, Fanfou e iLaodao. A prática de postar atualizações curtas, chamadas "Dou Ke", permite aos usuários transmitir mensagens curtas sobre o que estão fazendo via torpedo ou através de links em seus blogs e mensageiros. Esses sistemas também serviram como um modo alternativo de comunicação, já que o tremor interrompeu serviços telefônicos em certas áreas de Sichuan e resultou em linhas de celulares bloqueadas com usuários ansiosos sobrecaregando o sistema.
"Os ônibus estão tão lotados que não conseguem mais abrir as portas."
"Ruas continuam lotadas de chineses."
"As pessoas não parecem se atrever a voltar para suas casas", postou Casper Oppenhuis de Jong, morador de Chengdu, em sua conta no Twitter, dando informações sobre os eventos depois do terremoto no lugar.
Lançado nos Estados Unidos um ano atrás, o Twitter era a princípio visto como passatempo para estudantes, fãs de computadores e diletantes com o desejo incontrolável de anunciar cada detalhe de suas vidas.
Mas o serviço tem aos poucos demonstrado ser útil em emergências, quando a informação é uma das primeiras coisas a sofrer. A rápida resposta dos internautas chineses neste caso contrasta com a escassez de informações de Mianmar, onde a internet é controlada e onde o tamanho dos estragos causados pelo ciclone Nargis, no início do mês, ainda é desconhecido
Um usuário com o nome Yuanzi, cuja cidade fica em outra área atingida, Deyang, postou: "Minha mãe disse que está resgatando feridos agora. Toda a parte de trás do edifício China caiu na área onde eu morava quando criança. Que tristeza!"
Fanfou, apelidado de o Twitter chinês, foi lançado em maio de 2007. Seu diretor-presidente, Wang Xing, também é o fundador do Xiaonei.com, o equivalente chinês do Orkut. O site diz ter mais de 100.000 usuários registrados desde que foi lançado. Também há sites menos conhecidos como iLaodao.cn e Komoo.cn.
Até ontem, Daniel Ebbut, um inglês que está estudando chinês na Universidade de Sichuan, só tinha dois "seguidores" - pessoas que liam regularmente seus "posts" no Twitter. Agora ele tem 93.
"O Twitter foi muito importante e valioso hoje", disse Ebbut, cujo "post" mais recente antes do tremor foi o lamento: "Eu queria taaanto um Sony Reader."
Quando os tremores começaram, o estudante de 22 anos pensou que seu prédio de apartamentos estava caindo, até ver pela janela que outros prédios também estavam balançando. Então, pegou suas chaves e telefone e foi para fora, e logo começou a postar "tweets" via celular para avisar seus pais que estava bem.
Por volta das 22h30, hora de Pequim, ele escreveu: "Há centenas de pessoas aqui fora, algumas com cobertores e tendas, algumas em carros." E, à meia-noite: "Mais um pós-choque agora, pelo menos estão ficando mais esparsos."
Ele diz que, como as mensagens são feitas para manter os amigos e a família informados, é improvável que as pessoas postem informações erradas para seus familiares e amigos. "Acho que as pessoas são mais propensas a acreditar nas coisas em tweets do que, digamos, coisas em blogs que levam mais tempo para escrever e geralmente têm outras razões", disse.
Enquanto isso, o tráfego disparou em sites que transmitiam o vídeo dos estudantes da Universidade de Sichuan, que foi assistido cerca de 600.000 vezes nas primeiras seis horas em que estava disponível no Tianya.com, um entre vários sites onde o vídeo podia ser encontrado.
"São 14h49. Estamos na Universidade de Sichuan. Nosso prédio está tremendo", disse o estudante que estava gravando o episódio. Ele voltou a câmera para o lado de fora da janela, mostrando as pessoas saindo para o pátio, alarmadas. Então ele mostrou a tela de seu laptop, que ainda estava vívida apesar dos destroços que caíram.