Título: Preços de produtos chineses vendidos ao Brasil sobem 13%
Autor: Landim , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 13/05/2008, Especial, p. A14

Mauro de Mello, da Mundial: leis estão mudando, com pagamento de horas extras e adicional de fim de semana A Gulliver - que já foi um dos mais tradicionais fabricantes de brinquedos do país - hoje compra na China 70% de tudo que vende no Brasil. A empresa opera com dez fornecedores chineses diferentes. Todos reajustaram os preços. "A partir deste ano, observamos um aumento generalizado", diz Paulo Benzatti, diretor-comercial. Ele calcula que os reajustes ficaram entre 15% e 18%, provocados pela alta do custo da mão-de-obra na China e pela explosão do petróleo, matéria-prima do plástico dos brinquedos. Ele diz que a valorização do real compensou parte da perda, mas a situação chegou ao limite. "O brinquedo chinês já está mais caro para o distribuidor e deve subir para o consumidor".

O fenômeno não está restrito aos brinquedos ou ao Brasil. Pelo contrário. A China está exportando inflação para todo o mundo, inclusive para o país. Levantamento da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), elaborado a pedido do Valor, aponta que os preços dos produtos importados da China subiram, em média, 13% no primeiro trimestre em relação a janeiro a março de 2007. Em igual período, o real se valorizou 10,7%, ante o yuan.

Apesar da alta dos preços acima da variação cambial, o Brasil segue comprando com apetite do fornecedor asiático, graças ao mercado interno aquecido. De janeiro a março, em relação ao primeiro trimestre de 2007, o volume de importações da China subiu 50%. Em conseqüência, os produtos chineses devem ficar um pouco mais caros nas prateleiras do país, depois de um longo período de preços baixos. Empresas que importam bens chineses informam que já estão repassando parte da alta.

O reajuste de preços dos produtos chineses é conseqüência da inflação interna do país, que chega a 8% ao mês, e da alta do custo do frete. Fernando Ribeiro, economista da Funcex, explica que a inflação da China é provocada por vários fatores, como mão-de-obra mais cara, demanda interna aquecida e alta das commodities, que encarece os insumos. "A China vive uma inflação clássica e perigosa, que é alimentada por salários", diz Ribeiro. É uma mudança importante na economia do dragão asiático, que construiu seu parque industrial e atraiu investimento estrangeiro graças aos baixos salários e às longas jornadas.

Por ser resultado de um processo macroeconômico e não de um problema setorial isolado, a inflação chinesa contamina o Brasil de forma indiscriminada. Os preços dos equipamentos eletrônicos importados da China subiram 13% no primeiro trimestre do ano em relação a igual período de 2007. Na mesma comparação, a alta chegou a 10% para máquinas e tratores, 27% para elementos químicos, 15% para têxteis e 11% para calçados.

Mauro Bicicchi de Mello, gerente de sourcing da Mundial, fabricante de tesouras e alicates de unha, acaba de voltar de uma viagem à China em busca de fornecedores. Ele conta que os exportadores chineses reclamaram da valorização do yuan em relação ao dólar, da alta dos insumos, e, principalmente, da mão-de-obra mais cara. "Conversei com alguns fabricantes que dizem que as leis trabalhistas estão mudando, com pagamento de horas extras e adicional de fim de semana, e o país já começa a falar em sindicatos", relata Mello. Ele encontrou muitas fábricas produzindo o mesmo item no interior da China e avalia que a tendência é que as empresas com menor qualidade fechem as portas.

Segundo Mello, os produtos comprados pela Mundial na China subiram entre 15% e 20%. Em alguns itens, alta chegou a 40%. Ele disse que o real forte "refrescou" a situação e a empresa repassou apenas uma parte para o consumidor. Mello conta que o forte reajuste dos preços mudou a sua forma de trabalhar com os chineses. Até 2007, ele simplesmente colocava o pedido para o fornecedor na China e esperava a confirmação de entrega, já que os preços variavam pouco. Agora envia uma "intenção" de compra, espera uma cotação inicial e só então fecha negócio.

"Em 2007, houve alguns reajustes, mas pequenos e ao longo do ano. Agora foi de uma tacada só", conta Mello. Desde o fim de 2006, a China já enfrenta o aumento de salários, com as empresas migrando para o interior do país em busca de mão-de-obra barata. No entanto, os preços dos produtos chineses importados pelo Brasil subiram apenas 4,7% ao longo do ano passado, percentual mais do que compensado pelos 12% de fortalecimento do real em relação ao yuan.

A valorização contínua do real ainda funciona como um bom amortecedor para a inflação exportada pela China. A gravidade do problema também varia conforme cada indústria. Empresas que trabalham com uma margem mais folgada são menos afetadas. É o caso da fabricante de camisas Dudalina. Sônia Regina Hess de Souza, presidente da empresa, conta que os tecidos que adquire da China e da Índia subiram cerca de 10%.

Nos produtos acabados, como tricôs de algodão ou jaquetas sintéticas, a alta chega a 15%. Mas esses percentuais são absorvidos pela companhia, que vende roupas para um público A e B. "Não chega a ser um espanto, porque nosso produto é de alto valor agregado", diz. Sônia avalia que o aumento dos preços dos têxteis chineses é resultado, principalmente, da fiscalização da Receita Federal em parceira com o setor privado.

Para companhias cujos custos de produção estão atrelados a commodities como aço ou petróleo, a situação é bem mais complicada. Depois de dois anos de estabilidade, a multinacional Starret elevou entre 8% e 12% o preço dos equipamentos de controle de qualidade que traz da fábrica da China para vender no Brasil. Sérgio Teizen, diretor-regional de vendas da filial brasileira, conta que o principal problema é o aumento do preço do aço, principal insumo dos produtos fabricados no país. "A alta do aço é conseqüência da forte demanda da China", avalia.

Os maiores custos de produção prejudicam as exportações da Starret do Brasil. Teizen embarca para Dubai esta semana com a difícil missão de convencer um cliente que encomendou 1 milhão das serrinhas amarelas de uso doméstico fabricadas pela empresa a aceitar 8% de reajuste.

Durante mais de uma década, a China, que se tornou o chão de fábrica do planeta , garantiu o crescimento da economia mundial sem inflação, graças aos baixos custos de produção. A relação com o Brasil não era diferente. Entre 1993, época da abertura da economia brasileira, e 2003, os preços dos produtos vindos da China para o Brasil recuaram 31,5%, conforme a Funcex. Em 2004, houve um repique das cotações com alta de 14%. Ribeiro diz que esse aumento deve ser resultado da mudança de composição da pauta. Acompanhando o desenvolvimento da produção na China, os importadores brasileiros passaram a comprar produtos com mais valor agregado em vez de só quinquilharias.

Em 2005 e 2006, os preços ficaram quase estáveis. Em 2007, teve o início o processo inflacionário, que está claramente em aceleração. Sempre em comparação com igual período do ano anterior, os preços dos produtos importados da China pelo Brasil subiram 0,8% no primeiro trimestre de 2007, 3% no segundo, 7, 2% no terceiro, 7,7% no quarto e 13% no primeiro trimestre de 2008. Paradoxalmente, o reajuste dos preços não inibe as importações, que crescem cerca de 50% ao ano em volume desde 2004. Ribeiro diz que a inflação reduz as margens do exportador chinês, mas ainda não desestimula as vendas. "Se você colocar na ponta do lápis, com tudo isso, ainda não temos o custo deles", diz Mello.