Título: Quase três anos após aftosa, o primeiro leilão de gado
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 13/05/2008, Agronegócios, p. B12
Há exatamente um mês, a vida voltou ao normal em Eldorado, epicentro da crise da febre aftosa que ainda abalava pecuaristas, comerciantes e moradores locais. Um leilão de 719 reses no sindicato rural da cidade, situada a 430 km ao sul de Campo Grande, marcou o retorno à normalidade no comércio de gado bovino depois de 34 meses de uma angustiada espera. O trânsito dos bois, a venda aos frigoríficos e até a exportação da carne já estavam permitidos. Mas ainda faltava um leilão, termômetro de preços e símbolo de uma pecuária forte e dinâmica.
Entre os mais atentos participantes do pregão, estava o mineiro Manoel Simões Júnior, 40 anos, que viveu bem de perto o flagelo imposto pela aftosa. Administrador da fazenda Jangada, Júnior teve 557 das 4,7 mil cabeças de gado nelore sacrificadas por causa da doença. Sua fazenda de 2,6 mil hectares é vizinha de cerca da fazenda Vezzozo, primeiro foco da aftosa confirmado na região sul de Mato Grosso do Sul.
"Eu não dormia, não comia. Só chorava o tempo todo", relembra. "Isso aqui é nossa vida. Foram dois anos de angústia, de tristeza". Para ele, o primeiro leilão depois do desastre sanitário que levou ao sacrifício 30,6 mil bois tem um simbolismo forte. "Foi um recomeço, um reinício da nossa atividade", resume.
Na cidade de 13 mil habitantes, a população não esquece o trauma e ainda teme os efeitos da aftosa. "Ficaram muitas feridas e a atividade ainda não voltou toda ao normal", afirma Auro Trento, dono das revendas Plantibem e Trento Tratores. Sobraram menos de 45 mil bois do rebanho de 80 mil cabeças do município. A região amargou quatro meses de embargo total de vendas. Nada podia entrar nem sair da área sob vigilância federal. Nem melancia, produto do qual Eldorado orgulha-se de ser o maior produtor estadual. O agricultor Luis Teotônio de Amorim, 43 anos, que ajuda o pai a tocar uma área de 24 hectares onde cultiva café e amendoim, trabalhava no frigorífico da cidade. "Foi feio. Peguei demissão e fiquei dois meses sem trabalho", lembra.
O PIB de Eldorado desabou R$ 10 milhões (-13%) de 2004 para 2005, somando R$ 78,4 milhões. E a arrecadação de impostos recuou de R$ 3,8 milhões, em 2005, para R$ 2,9 milhões em 2006. Na atividade pecuária, o fundo do poço foi ainda pior, com queda de R$ 2,1 milhões para R$ 1,4 milhão. Os moradores ficaram mais pobres. O PIB per capita também sofreu um forte recuo de 12,7%: de R$ 7.977 para R$ 7.079.
"Caiu a renda e a auto-estima. Deu um baixo astral danado porque temos muitos pequenos produtores", recorda a prefeita Mara Caseiro (PDT), em segundo mandato. "Foi muito sofrido, mas saímos melhores, mais fortes". O frigorífico local, que havia demitido 500 empregados, recontratou o pessoal e planeja ampliar para 800 vagas.
Mesmo com o ônus da proximidade com o Paraguai, que muitos indicam ser o foco original da aftosa de Eldorado, todos afirmam que o controle sanitário será suficiente para barrar eventuais novos casos da doença. O governo investiu em postos de controle, equipes técnicas, fiscalização volante e criou uma zona de alta vigilância em 14 municípios na fronteira com o Paraguai. "Gado sem nota fiscal ou guia de trânsito é abatido sem dó", garante Pedro Ferreira Neto, da agência estadual de sanidade (Iagro).
As 5 mil cabeças de um assentamento da reforma agrária de 185 famílias e os 1,5 mil bois de uma aldeia indígena de Eldorado ganharam infra-estrutura e vacinação assistida. Além disso, a Iagro vacina de graça o gado da periferia das cidades da região. "Mas sempre tem um gado pulando cerca por aí. É difícil", diz o agricultor Luis Teotônio.
A aposta de Eldorado, agora, é na diversificação da produção. A principal alternativa é a usina de etanol Rio Paraná, controlada pela Clean Energy Brazil (CEB), que processará 2,3 milhões de toneladas de cana. Pelo menos 70 mil hectares de pastagens serão dedicadas ao plantio de cana. A prefeita da cidade acredita em 300 empregos diretos. "Vamos ser menos dependentes da pecuária", comemora. Mas nem todos estão de acordo. "Ainda não sei se isso é bom. Um terço da área vai ser tomado pela cana", duvida o pecuarista Manoel Simões Junior. (MZ)