Título: Brasileiro perde eleição para a direção-geral da Ompi por um voto
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 14/05/2008, Brasil, p. A2

José Graça Aranha: ajuda de Lula e do Itamaraty foi insuficiente para a vitória Por um mísero voto o candidato brasileiro José Graça Aranha foi derrotado ontem para a direção-geral da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi). E a suspeita foi de que faltou voto justamente do lado de países em desenvolvimento, grupo no qual o governo Lula acredita ter influência. O suspense durou até o último voto, quando o australiano Francis Gurry ganhou por 42 a 41, num racha entre Norte e Sul na entidade que, através de seus tratados, regulamenta a produção, distribuição e uso de tecnologia e do conhecimento no planeta.

A briga foi acirrada entre 14 candidatos pelos votos de 83 países membros. A campanha brasileira foi elogiada de maneira geral. A articulação deu resultado além do previsto: Graça Aranha foi o segundo do começo ao fim, e em cada rodada aumentava seus votos. Mas o resultado foi mais doloroso justamente pela suspeita de onde faltou o apoio no último momento na votação secreta. No penúltimo turno, o australiano ficou com 35 votos, o brasileiro com 29 e o candidato paquistanês com 19. O acerto era de os votos do paquistanês passarem para o brasileiro e assim o Sul obteria a direção de uma organização-chave na área de tecnologia. Só que na rodada final, sete votos foram para o australiano.

"Eles prometeram que iam transferir os votos, mas não fizeram", admitiu o embaixador brasileiro em Genebra, Clodoaldo Hugueney, numa referência a alguns países africanos, os principais suspeitos. "Tivemos voto de países industrializados, mas perdemos a África", desabafou um diplomata latino-americano que trabalhou pela candidatura brasileira. Portugal anunciou explicitamente que votou pelo Brasil. Itália e Espanha teriam feito o mesmo, assim como alguns países do Leste Europeu.

Hugueney mencionou "pressões" para países em desenvolvimento concentrarem votos no australiano e reconheceu que o "mundo em desenvolvimento" não está ainda sólido.

Os Estados Unidos, que mandaram carta aos países pedindo votos para o australiano e quatro candidatos - do México, Eslovênia, Japão e Quênia -, minimizaram um confronto Norte-Sul na entidade. Mais tarde, John Dudas, diretor da área de patentes, em Washington, disse que gostaria de ver o Brasil melhorar a proteção de patentes e que os EUA estão dispostos a colaborar com o país.

Em nota divulgada de Roma, o Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, destacou que a votação recebida, "ademais de ressaltar as qualidades do candidato brasileiro, marca o reconhecimento do papel do Brasil na defesa de um regime de propriedade intelectual que seja um instrumento efetivo para o desenvolvimento, especialmente dos países mais pobres". Segundo ele, "o Brasil continuará a lutar na OMPI e nos demais foros em favor deste objetivo".

Para o Brasil, a mensagem da votação apertada foi de que agora, mais do que nunca, a Ompi precisa ouvir atentamente os países em desenvolvimento. O diretor eleito, Francis Gurry, reconheceu isso ao enfatizar imediatamente como "prioritária" a agenda do desenvolvimento liderada pelo Brasil e Argentina. A agenda tem 45 recomendações para dar novo rumo à Ompi e a seu arcabouço jurídico sobre patentes.

A lista de organizações importantes onde o governo Lula perde votação aumenta. Já tinha perdido a direção-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), onde apresentou a candidatura de Seixas Correia. Fracassou na tentativa de obter a presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para João Sayad. E não conseguiu votos suficientes para obter o comando da Organização Internacional de Telecomunicações para Roberto Blois.

Ontem à noite, o Itamaraty quis contrabalançar esse desempenho com uma lista de "eleições vitoriosas", como a presidência da Comissão Internacional para a Conservação do Atum Atlântico, que não tem comparação com a OMC ou a Ompi, e a eleição de brasileiros em outros 32 comitês ou comissões.

O presidente Lula engajou-se diretamente na campanha da Ompi. Levou o candidato para a conferência da Unctad, em Acra (Gana), onde encontrou outros presidentes e ministros. As embaixadas se mobilizaram em volta do mundo. E Graça Aranha apresentou-se como um "moderado", apesar das suspeitas dos EUA e de alguns industrializados sobre a postura brasileira na área de propriedade intelectual.

Depois da eleição, as menções implícitas a supostas negociatas ocuparam o burburinho do coquetel na Ompi. Um diplomata brasileiro comentou que o Brasil tinha feito campanha "só com seu prestígio". Mas certos delegados disseram que o país teria acenado com apoio político em outros fóruns e em cooperação "mais abrangente" para as nações pobres, para obter votos. Quanto ao candidato vencedor, que já trabalha na Ompi, teria oferecido cargos a vários países.

A eleição foi necessária porque o sudanês Kamil Idris foi praticamente expelido do cargo, um ano antes do mandato acabar, pressionado pelos industrializados sob o argumento de malversação na administração. Gurry disse que vai trabalhar "estreitamente" com o brasileiro, que é diretor de uma divisão da entidade. A expectativa é de que ele nomeie Graça Aranha seu vice-diretor, daqui a um ano. Graça Aranha foi consolado e elogiado por praticamente todas as delegações. A ponto de desabafar: "Se um desses tivesse dado um voto a mais ..."