Título: Imagem brasileira pode ser prejudicada
Autor: Chiaretti , Daniela
Fonte: Valor Econômico, 14/05/2008, Política, p. A7

Para a imagem do Brasil no exterior, a saída de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente não poderia acontecer em pior hora. É o momento em que os biocombustíveis estão sob tremenda suspeição - e o etanol brasileiro tenta diferenciar-se do resto. Faltam apenas cinco dias para abertura da mega conferência ambiental das Nações Unidas em Bonn, na Alemanha. E ontem à noite aterrissou em Brasília Angela Merkel, a chanceler da Alemanha, o país que é o maior financiador externo da proteção da Amazônia.

"A saída de Marina Silva agora é problemática", dizia o alemão Thomas Fatheuer ao chegar a Brasília, ontem à noite. "Ela era a garantia das boas intenções dentro do governo Lula na área ambiental. Sempre desejava as coisas certas, mesmo que nem sempre tenha conseguido impedir as ruins", prosseguiu o diretor da Fundação Heinrich Boell no Rio de Janeiro, ligada ao movimento verde alemão.

"Para o cenário da Conferência é um mau sinal que tenha acabado de sair a ministra famosa pela proteção da Amazônia", lamentava, em Bonn, o alemão Martin Kaiser, consultor político para florestas e biodiversidade do Greenpeace Internacional. Ali, na próxima segunda, cinco mil representantes de governos de 200 países e ambientalistas discutirão temas relacionados à biodiversidade. A Amazônia e os biocombustíveis estão na pauta. "Acho que a saída dela pode criar grande impacto no encontro", continuou Kaiser.

"Na verdade, a partir de agora ficará mais transparente o que é realmente a política do governo Lula na área ambiental", digeria Roberto Smeraldi, diretor da Amigos da Terra-Amazônia Brasileira. "As pessoas vão olhar para este governo e ver o que ele é, e não mais o que parece ser." Smeraldi dá mais uma alfinetada: "A imagem positiva da ministra Marina era muito forte, funcionava como uma cortina de fumaça não só lá fora como aqui dentro, brecando os movimentos sociais brasileiros."

Os ambientalistas foram surpreendidos pela decisão da ministra. "Cheguei a pensar que a capacidade dela de superação era infinita, depois de tudo aquilo que engoliu", prossegue Smeraldi. Na agenda ambientalista, o "que ela engoliu" é uma vasta agenda de obras e decisões que englobam a política dos transgênicos, a retomada de Angra 3, a transposição das águas do rio São Francisco, as usinas hidrelétricas do rio Madeira, o plano de combate ao desmatamento da Amazônia lançado em 2004 e que deveria envolver 13 ministérios - e que na avaliação dos ambientalistas, não decolou.

A simples presença de Marina Silva à frente do Ministério inibia maiores críticas dos movimentos sociais e ambientalistas à política de desenvolvimento do governo, que sempre pareceu ambígua em relação às exigências ambientais. "As ONGs se juntavam e não conseguiam tirar uma moção de repúdio à política ambiental do governo por causa da Marina", lembra uma ambientalista referindo-se ao final de 2007, quando a tendência de desmatamento da Amazônia voltou a subir. "Com a saída de Marina, o governo perde seu fiador para boa parte do movimento social", diz o advogado Raul Silva Telles do Valle. "O governo Lula vai estar muito mais exposto no questionamento de sua política de desenvolvimento, que não costuma considerar a dimensão ambiental", continua Telles do Valle, coordenador do Programa de Política e Direito do Instituto Social Ambiental, o ISA. "Marina Silva era o grande escudo moral do governo Lula. Se algo de sustentável aconteceu neste governo, ocorreu em função dela", prossegue.

No escritório do Greenpeace em São Paulo, a saída da ministra repercutiu com igual espanto. "O governo Lula dá uma demonstração de que a última linha de resistência que havia ali de se evitar uma política de terra arrasada foi afastada", concluía Sérgio Leitão, diretor de políticas públicas do Greenpeace no Brasil. No entender da direção da ONG, a decisão da ministra de sair da pasta logo depois de o ministro Mangabeira Unger, de Assuntos Estratégicos ter sido indicado gestor do Plano Amazônia Sustentável (PAS) teria sido apenas "a gota d' água". Pressões do governador do Mato Grosso Blairo Maggi para que fosse abrandada a medida do final de 2007, idealizada pelo ministério do Meio Ambiente, de vincular o crédito agrícola a quem recadastrasse sua propriedade na Amazônia Legal, teriam sido o pano de fundo. "A saída dela é um desastre. E agora chega a Merkel para falar de acordos ambientais, de biodiversidade, de energias renováveis!. Marina era o último lastro de fiança deste governo no exterior, de ter algum compromisso ambiental", diz Leitão.

"A área ambiental nunca foi prioridade neste governo", ecoou Denise Hamú, secretária-geral do WWF-Brasil. "A ministra tinha uma estatura internacional que dava credibilidade ao governo Lula lá fora", prosseguiu. "É uma perda enorme. E às vésperas da conferência em Bonn, que o Brasil presidiu até agora", prosseguiu. "Sua saída terá uma repercussão muito negativa para o Brasil no exterior."