Título: Política industrial é o novo nome do caixa do BNDES
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 14/05/2008, Opinião, p. A10

A segunda versão da política industrial do governo Lula é uma continuação ampliada da primeira, cujos resultados foram escassos. A Política de Desenvolvimento Produtivo anunciada ontem tem traços comuns aos demais programas da atual administração - junta programas antigos, cujo saldo é desconhecido ou inexistente, com novos. É o caso da massa total de recursos que serão destinados ao plano, cerca de R$ 210,4 bilhões até 2010. Esse é praticamente o orçamento integral do BNDES para o período. Neste ponto, o governo Lula se assemelha, ainda que siga caminhos diferentes, ao de Fernando Henrique, que abominava o termo política industrial. Sob FHC, se dizia que a política para desenvolver o país já existia e era feita pelo BNDES.

Há medidas que vão na direção certa, todas elas com o intuito de reduzir o custo de investimentos. É o caso da depreciação acelerada de bens de capital, da desoneração da folha de pagamentos do setor de tecnologia de informação, da redução pela metade do prazo de apropriação do PIS-Cofins e da criação de fundos para investimento em pesquisa e tecnologia. Resta ver se serão executadas de fato, o que exige coordenação e gerenciamento, algo não muito comum até agora.

Não há grandes problemas com o fato de o Estado ser o indutor de políticas de desenvolvimento, como o foi em praticamente todos os países desenvolvidos e em vários emergentes, como a Coréia do Sul. O que é vital é que ele faça as escolhas corretas. Um dos grandes dilemas é o de ter de optar entre políticas setoriais, que alavanquem setores específicos que representariam, em tese, as melhores possibilidades de desenvolvimento competitivo em ramos do futuro, ou entre medidas que dinamizem a economia como um todo. A primeira opção já foi feita, para o mal ou para o bem, nos planos executados pela ditadura militar. A julgar pelo atual grau de sofisticação da indústria e agricultura, há fortes argumentos pela primazia de medidas que removam os obstáculos para os negócios no país - o que se chamava de custo Brasil.

O Brasil não está livre de um apagão logístico, tanto na capacidade de ofertar energia, melhorar e construir estradas para o transporte de cargas, descongestionar e modernizar portos para a exportação e aeroportos para a movimentação de passageiros, além de educação de qualidade para a mão-de-obra do futuro. Se há recursos disponíveis para gastar, essas seriam as áreas básicas, para os quais todo o esforço para atrair investimentos privados valeria a pena. O governo já tem o Programa de Aceleração do Crescimento para isso. Boa parte dos recursos serão bancados pelo BNDES, que agora terá todo o seu orçamento envolvido na Política de Desenvolvimento Produtivo.

A nova política industrial atira para vários lados, desnecessariamente. É o caso da terceira perna dos programas estruturantes que visam a "consolidar e expandir a liderança" de setores que já estão na dianteira do parque produtivo. A eles será destinado "financiamento estratégico", provavelmente subsidiado, e basta olhar a lista para ver que eles já andam, e muito bem, com as próprias pernas: petróleo e gás, complexo aeronáutico, mineração, siderurgia, celulose, carnes. Todos eles buscaram internacionalização, conseguiram reduzir o custo de financiamento e não necessitam recorrer ao BNDES para obter dinheiro barato. Para um país ainda carente de capitais, financiá-los não faz muito sentido. O governo, ao anunciar uma política que abrange todos os setores, pode ter se recusado a escolher vencedores. Na prática, estará consagrando-os.

O BNDES ampliará o subsídio a seus clientes, com o fim do Imposto sobre Operações Financeiras e a redução de spreads que cobra nos financiamentos. Esse é um dos maiores incentivos do plano. O que parece uma virtude é um defeito. Enquanto os juros sobem para todos os setores da economia, caem para a fatia que consegue ter acesso ao crédito subsidiado estatal. Como no passado, o BNDES tem crédito disponível - o mais barato do país - para as grandes empresas, que já têm a seu dispor financiamento externo de longo prazo a baixo custo. As pequenas e médias empresas ainda estão distante dele, sem falar no quase inexistente aporte a empresas de risco, que podem trazer inovações tecnológicas importantes.