Título: O setor externo e o crescimento sustentável
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 14/05/2008, Opinião, p. A10

A economia brasileira apresentou uma taxa acumulada trienal de crescimento de 13,1% entre 2005-07. Considerando o período mais recente, pós-redemocratização, resultado como este ocorreu uma vez na década de 80 (em 1984-86, com crescimento de 22,5%) e uma vez na década de 90 (em 1993-95, com 15,7%). Em ambos os casos, os ciclos duraram pouco e culminaram, por motivos diversos, em recessões. O ciclo de crescimento econômico brasileiro atual é menor que os anteriores e seu dinamismo diferente. A expansão atual deve-se ao crescimento do crédito ao consumo e ao crescimento das exportações, configurando assim um ciclo expansionista puxado pela demanda interna e externa.

A questão relevante é se o crescimento irá se manter nos próximos anos. Para que ele se mantenha, é necessário que os impulsos da expansão do crédito e do setor exportador continuem. Tendo em vista a inflexão do setor externo observada desde meados de 2007, com o ressurgimento de déficits em transações correntes, é bem possível que ele não se constitua mais num estímulo ao crescimento, mas num entrave. O setor externo é uma variável estratégica importantíssima e nos parece que não está recebendo a devida atenção por parte dos gestores de política econômica.

Há quem considere que os déficits em transações correntes seja uma coisa boa para a nossa economia, com base no argumento do crescimento com poupança externa e no fato de que o parque industrial brasileiro só pode se expandir com aumento de importações, devido à existência de lacunas na cadeia produtiva. Em parte, é verdade que o crescimento da economia depende da importação de máquinas, equipamento e insumos, além de ser natural uma elevação em seu nível com o crescimento econômico. O problema é que o seu atual incremento se deve, sobretudo, à valorização cambial.

O entrave externo, em processo de consolidação, pode ser observado pelo comportamento das exportações e importações. O saldo positivo na balança comercial em 2007, de US$ 40 bilhões, só foi possível em função do bom desempenho da economia internacional, que manteve preços e volumes em alta, compensando o câmbio valorizado.

Além disso, desde 2005, presenciou-se uma queda na taxa de crescimento das exportações concomitantemente ao crescimento das taxas de importações. Como conseqüência, o saldo da balança comercial, em 2007, foi menor do que os saldos alcançados nos dois anos anteriores. Ainda mais alarmantes são os resultados dos três primeiros meses de 2008, onde o valor do saldo da balança comercial ficou em menos de um terço do registrado em igual período do ano anterior, além da elevação na remessa de lucros e dividendos para o exterior. Como conseqüência, as projeções feitas pelo Banco Central do déficit em conta corrente para 2008 passaram de US$ 3,5 bilhões para US$ 12 bilhões.

Cabe ainda lembrar que a boa performance recente do setor externo não foi resultado de uma política de estímulos à exportação, mas de uma feliz coincidência de uma economia internacional em forte expansão. Não se sabe até quando tal situação irá perdurar. No entanto, as evidências indicam que não será por muito tempo.

-------------------------------------------------------------------------------- Sem uma política cambial pró-exportação, a restrição externa irá segurar o crescimento da economia brasileira --------------------------------------------------------------------------------

O perigo para o setor externo brasileiro é que a conjuntura internacional é exógena e independe da política macroeconômica. Os episódios recentes da crise financeira americana e seus reflexos nas demais economias industrializadas apontam para uma desaceleração do crescimento mundial. A extensão dessa desaceleração ainda não é conhecida, assim como não se conhecia a dimensão exata da crise financeira deflagrada em agosto de 2007, cujos impactos no setor real começam ser sentidos somente agora.

Os principais mercados brasileiros no exterior estão desacelerando ao mesmo tempo em que, internamente, o câmbio continua sua trajetória de valorização. Ou seja, estamos entrando novamente na contramão de qualquer esforço de crescimento econômico com auxílio das exportações e das políticas cambiais competitivas dos demais países. Sem uma política cambial pró-exportação, a restrição externa irá segurar o crescimento da economia brasileira e o governo não poderá mais se esquivar do problema do câmbio valorizado como tem feito, ao se aproveitar da onda de crescimento mundial.

Além disto, deve-se levar em conta que grandes economias, como EUA e China, fazem uso de desvalorizações cambiais. Os EUA, para reduzir seu monstruoso déficit comercial; a China, para manter a competitividade dos seus produtos. O poder competitivo dos produtos chineses, além do baixo valor salarial, incorpora um efeito cambial importante. Ficando apenas com esses dois exemplos, está claro que esses países se apresentam na economia internacional com as armas da política cambial de desvalorização de suas moedas.

Assim, o cenário futuro do setor externo é duplamente desfavorável: desaceleração ou recessão econômica aliada à existência de competição cambial. A política cambial brasileira não poderá seguir seu curso atual sem causar grandes danos à indústria local, ao equilíbrio das contas externas e, conseqüentemente, ao seu crescimento.

A ocorrência de déficits sistemáticos em conta corrente trará de volta uma vulnerabilidade eliminada ao longo dos últimos três anos. O país ficará refém novamente dos fluxos financeiros de capitais, especialmente os de estrutura especulativa. Isto poderá pressionar ainda mais os juros para cima, recriando o instável ambiente macroeconômico do período FHC, que tanto dano causou ao crescimento brasileiro.

Observando a história recente da economia brasileira, a dependência da entrada de recursos externos voláteis tem sido um dos principais entraves ao seu crescimento. Assim, um dos requisitos para a manutenção do seu bom desempenho, no médio prazo, é a manutenção de um superávit na balança comercial em um nível que não gere crescimento com dependência de poupança externa.

A conclusão da presente análise é que não se deve deixar de olhar o desempenho das contas externas caso o objetivo dos gestores de política econômica seja a manutenção de um bom nível de crescimento da economia brasileira no médio prazo. Caso contrário, estaremos novamente desperdiçando uma oportunidade de entrar na rota do crescimento sustentável.

João Basílio Pereima Neto é professor do Departamento de Economia da UFPR.

Luciano Nakabashi é Professor do Departamento de Economia da UFPR e coordenador do Boletim de Economia & Tecnologia.

Guilherme R. S. Souza e Silva é Consultor do Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG).