Título: Em reunião inédita, Brasil busca posição comum sobre etanol
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Fonte: Valor Econômico, 14/05/2008, Especial, p. A12

Energia, alimentos e a reforma da Organização das Nações Unidas (ONU) são as prioridades na lista de assuntos que o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, discutirá amanhã na primeira reunião formal dos ministros de Relações Exteriores dos chamados Bric, o grupo das maiores economias emergentes, composto por Brasil, Rússia, Índia e China. Amorim pretende obter do grupo uma posição comum favorável em relação ao uso de biocombustíveis como o etanol de cana de açúcar, mas vê no encontro uma dimensão política bem maior.

"O que os une é o fato de que os quatro têm e terão muito a dizer ao mundo em diversos temas, desde assuntos energéticos e de alimentação até a reforma de organismos internacionais", disse Amorim, comemorando o ineditismo do encontro, a ser realizado na cidade russa de Ecaterimburgo - a terceira maior da Rússia, mais conhecida como o local onde os revolucionários bolcheviques mantiveram presa e depois assassinaram a família do último czar, Nicolau II.

Como exemplo do que imagina possível com a aproximação entre os Bric, Amorim vai propor aos ministros de Relações Exteriores de Índia, China e Rússia um encontro dos ministros da Fazenda dos quatro países, para cobrar, juntos, maior peso dos emergentes nos mecanismos decisórios órgãos financeiros internacionais, como o Banco Mundial e o FMI. O FMI concluiu neste ano uma reforma em seu conselho executivo, que deu maior poder de voto a Brasil, China e Índia, em detrimento de países como França, Reino Unido e Arábia Saudita. Mas Amorim se diz insatisfeito com o pequeno grau de influências dessas economias nas organizações multilaterais.

A reunião em Ecaterimburgo foi proposta por Rússia e Brasil em um encontro informal dos ministros, durante a Assembléia Geral da ONU, no ano passado, e antecedida por um encontro de vice-ministros, em março, no Rio de Janeiro.

A sigla Bric foi criada em 2001 pelo banco de investimentos a Goldman Sachs ao destacar os grandes países emergentes com potencial de superar, até 2050, em tamanho e importância, o atual grupo de países desenvolvidos.

Para Amorim, a sigla inventada pelo Goldman Sachs inspirou a criação "peculiar" de um novo grupo político na comunidade internacional. "Quando se olhar adiante o que foi o século XX, talvez seja possível dizer que os quatro Bric constituíram os outros países de grande peso econômico e político além das maiores economias desenvolvidas", resume o ministro.

O encontro vem sendo apresentado por autoridades da Índia, na imprensa local, como uma oportunidade de mudar a explicação internacionalmente divulgada para os aumentos mundiais dos preços de alimentos, atribuídos à crescente demanda por comida nas populações indiana e chinesa. Para os indianos, os culpados são os subsídios agrícolas dos países ricos, que desestimulam a produção agrícola nas economias menos desenvolvidas - tese muito do agrado do Itamaraty.

Além das conversas sobre energia, alimentos e reforma da ONU, FMI e Banco Mundial, na agenda dos ministros estão previstas discussões também sobre a situação econômica criada a partir da crise no mercado imobiliário dos EUA, desarmamento e terrorismo, mudança climática e cooperação para projetos de desenvolvimentos em terceiros países.

Amorim indica que pretende repetir, com a reunião dos Bric, o tipo de aliança de forte conteúdo político firmado com Índia e África do Sul no grupo denominado Ibas, que, além de ações de ajuda a terceiros países, como Guiné-Bissau e Haiti, abriu espaço até para realização de manobras navais conjuntas no Atlântico Sul. Os outros componentes dos Bric já vêm fazendo reuniões regulares, e devem ter um encontro sem a presença do Brasil no dia seguinte à reunião ministerial com todos os quatro. Os ministros já decidiram que passarão a fazer reuniões periódicas em cidades do mundo que hospedam instituições multilaterais, e em todas as Assembléias gerais da ONU, em Nova York.