Título: Relatoria muda de mãos às pressas
Autor: Rothenburg, Denise; Jeronimo, Josie
Fonte: Correio Braziliense, 19/02/2011, Política, p. 2

Na tentativa de evitar problemas e domar senadores aliados inclinados à rebeldia na questão do salário mínimo, governo costura acordo para deixar a matéria com o PMDB

Ressabiado com as vaias que ouviu no plenário da Câmara durante a aprovação do salário mínimo de R$ 545, na última quarta-feira, o governo decidiu poupar o PT do desgaste de ficar à frente da relatoria da matéria no Senado. Até a noite de quinta-feira, o acerto de líderes da base na Casa dava como certo o nome do líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), para o posto. Mas houve uma reviravolta e Romero Jucá (PMDB-RR) foi indicado para a função. Costurada às pressas, a escolha ocorreu depois da polêmica levantada pela oposição sobre a constitucionalidade do reajuste do piso por meio de decreto presidencial a partir de 2012 e de manifestações de rebeldia por parte da bancada do PMDB. Ontem, o Planalto fechou acordo com o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), para indicar Jucá.

Depois de realizar uma manobra regimental para aprovar projetos do pré-sal, Romero Jucá, que também é o líder do governo no Senado, foi considerado o nome certo para unificar a base aliada e rebater os argumentos da oposição de que a proposta aprovada na Câmara fere princípios constitucionais ao definir o valor do salário mínimo, até 2015, via decreto. PPS e PSDB já ameaçam entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar o projeto de lei se o Senado aprovar o texto na íntegra. O senador Alvaro Dias (PSDB-PR) também anunciou que apresentará emenda para derrubar a regra de reajuste por decreto.

Jucá, entretanto, adiantou ontem que dará parecer contrário a todas as emendas ¿ da oposição e da base. Qualquer alteração no texto atrasará a tramitação do projeto e postergará o reajuste do mínimo para R$ 545. ¿Estamos jogando contra o relógio. O salário mínimo tem que vigorar a partir de 1° de março¿, resumiu Jucá.

A presença de um peemedebista na relatoria inibe as movimentações dos correligionários por alterações na lei. Já de início, cai por terra a intenção do líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), de acrescentar um dispositivo para garantir ganho real para o salário mínimo em períodos nos quais o Produto Interno Bruto (PIB) for negativo. Mas a negociação do PT com o PMDB para a relatoria também incluiu um afago a Renan. O peemedebista ouviu a promessa de que sua proposta de desoneração do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de produtos da cesta básica não ficará muito tempo na gaveta.

Surpresa A indicação de Romero Jucá para a relatoria pegou de surpresa até mesmo o presidente do PMDB, Valdir Raupp (RO). O senador rondoniense era a primeira opção do partido para relatar o salário mínimo, mas a sigla estava disposta a aceitar uma indicação do PT sem confronto. Como na Câmara o projeto foi relatado pelo deputado Vicentinho (PT-SP), a ideia dos peemedebistas era manter a tarefa com um integrante da bancada do PT, sigla da presidente Dilma Rousseff.

O nome do senador José Pimentel (PT-CE), vice-presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, também foi cotado. Entretanto, o plano inicial não vingou no Palácio do Planalto. Depois que Vicentinho foi vaiado durante quase todo o tempo em que leu seu relatório na Câmara, os ministros da Casa Civil, Antonio Palocci, e de Relações Institucionais, Luiz Sérgio, ambos petistas, terminaram convencendo Dilma de que a relatoria nas mãos do líder do governo no Senado, por se tratar de um peemedebista, colocava mais peso à proposta.

Neste fim de semana, Romero Jucá fica em Brasília a fim de buscar os votos para aprovar o texto do mínimo na próxima quarta-feira sem nenhum retoque. ¿Temos que trabalhar todos os senadores e senadoras. Não há voto garantido sem conversa¿, afirmou. Por enquanto, no PT, apenas o deputado Paulo Paim (RS) revelou ser contrário à proposta. No PMDB, Roberto Requião (PR), Jarbas Vasconcelos (PE) e Luiz Henrique da Silveira (SC) são considerados parlamentares que ainda precisam ser convencidos a votar o projeto governista. Desta vez, o PMDB não tem certeza se repetirá os 100% de fidelidade nos votos, como ocorreu na Câmara.

Cesta básica Tema relacionado à reforma tributária, a desoneração do ICMS de produtos da cesta básica poderia ampliar em 20% o poder de compra do trabalhador que vive com o salário mínimo. Renan Calheiros argumenta que a fixação de um piso menor deveria vir acompanhada de compensações para quem vive com a remuneração básica.

Dissidentes Na apreciação do projeto de lei que cria a política de reajuste do salário mínimo ¿ baseada na soma do crescimento do PIB de dois anos antes à inflação do exercício anterior ¿, dois deputados do PT votaram contra a proposta do governo, mas a bancada do PMDB acompanhou integralmente a orientação do líder Henrique Eduardo Alves (RN) para aprovar o piso de R$ 545.

Três perguntas para ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF)

A regulamentação do salário mínimo por decreto é irregular? O que nos vem da Constituição Federal é que o salário mínimo tem que ser fixado por lei. Quando a Constituição se refere a lei, é no sentido formal e material. Ou seja, aprovada pelas duas casas parlamentares. Mas agora, nessa norma que estão aprovando, vão fixar as balizas que nortearão a regulação do salário mínimo pelo Executivo. É possível? A meu ver, de início, não, porque o que a Constituição quer é que deputados e senadores periodicamente fixem o salário mínimo.

Em tese, a decisão da Câmara pode ser considerada inconstitucional? Não conheço o que eles aprovaram lá. Falo tudo em tese. Pode ser que eles tenham realmente criado alguma coisa que fuja à minha percepção. Mas não acredito. Reconheço uma sensibilidade maior na presidente Dilma, mas o problema não se resolve no campo da confiança. Resolve-se no campo da formalidade essencial, que está na exigência de lei.

Pelo que foi decidido, o papel do Congresso então seria só o de dizer sim ou não ao decreto presidencial? Em primeiro lugar, pode haver até um veto. Mas o caso em questão ainda vai para o Senado, onde também existe uma Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Pode ser que a CCJ potencialize o lado técnico constitucional, e não apenas o lado político.