Título: A MP nº 413 e a política de energia renovável
Autor: Silva , Alessandro Alberto
Fonte: Valor Econômico, 14/05/2008, Legislação & Tributos, p. E2

Em tempos de barril de petróleo custando US$ 120,00, sem sinal de cair, com as reservas de combustíveis fósseis acabando, encontrar fontes de energia alternativas se torna imperioso, em especial aquelas viáveis de exploração, tanto sob o ponto de vista econômico - e neste quesito englobando o custo de produção e de distribuição -, quanto ambiental e também de velocidade de produção e permanente renovação. Porém, o governo federal parece estar na contramão de uma política de energia renovável, apesar de todos os discursos do presidente da República.

A Medida Provisória nº 413, de 2008, com efeitos deste 1º de maio, é um duro revés ao álcool como fonte de energia alternativa. Ela, dentre outras disposições, traz a tributação monofásica das contribuições ao PIS e à Cofins para importador e produtor na venda de álcool carburante, fixando alíquotas de 3,75% para o importador e 17,25% para o produtor, sem direito ao crédito dos insumos. A medida também soa à traição, se vemos que os produtores rurais e usinas estão sendo estimulados a plantar cana-de-açúcar. Os elos da cadeia produtiva são atraídos para contribuir para a produção de combustível renovável e, logo em seguida, são pegos de surpresa pelo bote certeiro do fisco, onerando a produção.

A questão essencial diz respeito ao crédito dos insumos adquiridos pela usina produtora do álcool (cana-de-açúcar adquirida do produtor rural). Quando do estabelecimento da possibilidade do crédito do PIS e da Cofins, através da Medida Provisória nº 66, que criou três sistemas de apuração das contribuições em tela - monofásico, cumulativo e não-cumulativo -, o crédito destas contribuições incidentes sobre produtos adquiridos pelo sistema monofásico foi proibido, de acordo com o artigo 3º, inciso I, alínea "b" das Leis nº 10.637, de 2002, e 10.833, de 2003.

Como se trata de incidência monofásica, ou seja, apenas uma vez, de sorte que as seguintes estão sob alíquota zero ou isentas, a Medida Provisória nº 413 instituiu que a saída de cana-de-açúcar do produtor para a usina ocorre com a suspensão do PIS e da Cofins, arcando a usina com toda a carga tributária, sem crédito algum dessas contribuições sobre o insumo básico. E de roldão, elevou as alíquotas, causando grande impacto financeiro.

Para reduzir tal carga tributária e corrigir tamanho contra-senso, notadamente quando se busca aumento de produção de biocombustível, seria o caso de permitir o aproveitamento dos créditos decorrentes dos insumos. A cumulatividade é perversa do ponto de vista econômico e irracional sob a ótica jurídica em um modo de produção multifásico.

Entretanto, em retomada do espírito da não-cumulatividade, juridicamente equilibrado e economicamente mais justo (pois valoriza o tão esquecido princípio da capacidade contributiva), seria o caso de dar ao insumo cana-de-açúcar o mesmo tratamento tributário previsto no artigo 17 da Lei nº 11.033, de 2004, que veio a possibilitar aos comerciantes atacadistas e varejistas de bens sujeitos à alíquota zero na aquisição e com tributação monofásica o direito ao crédito.

A Medida Provisória nº 413 não contemplou os produtores de álcool para fins carburantes com a possibilidade do crédito. A vedação se mostra preocupante, pois abandona o princípio da não-cumulatividade e fere o princípio da capacidade contributiva de modo a onerar demasiadamente um ente da cadeia produtiva, desequilibrando-o economicamente. Verifica-se um tratamento tributário desigual para contribuintes em situação assemelhada, tratada na Lei nº 11.033, ferindo o princípio da isonomia, um dos pilares não só do nosso sistema tributário nacional como dos ideais republicanos.

Se a aquisição está com a tributação suspensa, não se trata de isenção (dispensa por lei do dever legal de pagar tributo) ou não-incidência (o fato jurídico aquisição de insumo não é alcançado pela tributação). Há incidência, mas mantém-se suspensa a exigibilidade do tributo até um determinado momento da cadeia produtiva cuja não ocorrência gera a perda do benefício fiscal.

Mas suspensão não é isenção ou alíquota zero. Quando da saída do álcool carburante da usina tributa-se um produto que agrega elementos como a matéria-prima básica, outros insumos e mão-de-obra, em valor maior do que o originalmente recebido do produtor da cana-de-açúcar. Então, com o fim da suspensão, tributa-se um valor agregado total, sem, no entanto, gerar crédito algum de PIS e Cofins decorrentes das entradas de cana-de-açúcar, exatamente a matéria-prima básica.

Portanto, o encerramento da fase de suspensão implica tributação de toda a cadeia produtiva em um só momento, em elevada alíquota, o que gera um descompasso com a não-cumulatividade, posto que se tributa o valor total da operação sem a apropriação nem mesmo parcial do crédito de PIS e Cofins sobre a aquisição de cana-de-açúcar.

Assim, é de se esperar que urgentemente esta anomalia tributária seja corrigida, para não servir de desestímulo à produção, assegurar remuneração condizente com os riscos da atividade e as necessidades de aumento da produção e controle ambiental, que somente empresas capitalizadas e sólidas podem obter. Enfraquecer o produtor de álcool sangrando-o na tributação onerosa fere os princípios da isonomia, da capacidade contributiva e da não-cumulatividade, além de desequilibrá-lo econômica e financeiramente.

Caso não haja uma rápida mudança de rumos na lei, outro caminho não restará aos produtores de álcool que não seja buscar o reequilíbrio fiscal na Justiça, em mais uma longa, penosa e dispendiosa batalha judicial, de solução imprevisível, posto que não se trata de questão pacífica ou com decisões favoráveis aos fabricantes de álcool carburante.

Alessandro Alberto da Silva é advogado tributarista do escritório Motta Advogados

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