Título: Doha vale menos do que cobram, diz Amorim
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 05/05/2008, Brasil, p. A3

A Rodada Doha já não vale o que os países industrializados estão cobrando do Brasil e de outros emergentes e os ricos devem baixar suas demandas se quiserem um acordo. Esta foi a advertência que o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, deixou, no fim de sete horas de reunião com a representante comercial dos Estados Unidos, Susan Schwab, ontem em Roma.

"Em matéria de rodada, não estamos no mercado comprador, e sim no mercado vendedor", afirmou Amorim em entrevista ao Valor, por telefone, de Roma. "Se eles (os países ricos) querem a rodada, não podem continuar exigindo um preço excessivamente alto da parte dos países em desenvolvimento."

O ministro deixou claro que Doha está menos interessante, porque uma parte do atrativo estava em cortar subsídios agrícolas e ampliar mercados para as exportações. Mas o próprio mercado, e não a rodada, está se encarregando disso neste momento. Com os preços altos das commodities, os subsídios agrícolas caíram e o acesso aos mercados está sendo facilitado pela derrubada de barreiras por importadores para enfrentar a crise alimentar. "Estamos procurando convergências e acho que é possível", afirmou Amorim, mas sempre transmitindo a mensagem de que os industrializados não venham cobrar demais.

Recentemente, o agronegócio brasileiro indicou ao Itamaraty que apóia um acordo na Organização Mundial de Comércio (OMC), mas também que o Brasil não pode perder a oportunidade dos preços altos, que significam menos subsídios e maior demanda externa, para tentar arrancar mais concessões dos importadores.

Na reunião de Roma, das 10 às 17 horas, os EUA insistiram para o Brasil aceitar acordos setoriais na área industrial, para eliminar ou reduzir mais rapidamente as tarifas de certos setores - em todo caso bem mais do que Brasília está disposta a aceitar. Além disso, Washington cobra cortes altos de tarifas industriais com flexibilidade menor do que o Mercosul pede.

Pelas demandas dos EUA e de outros industrializados até agora em Genebra, o Mercosul, com tarifa média de 30%, deveria fazer cortes entre 55% e 61% nas suas alíquotas. Teria flexibilidade para cortar menos em cerca de 10% das alíquotas - mas o bloco quer mais, e juntos, para acomodar diferentes interesses do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.

Amorim disse que "eles não podem esperar que o Mercosul assuma obrigações como união aduaneira como se fossem países isolados", em alusão à flexibilidade adicional que o bloco quer para manter a proteção para diferentes setores industriais. Ele relatou que na reunião com Susan Schwab houve algumas aproximações, mas sobretudo que se deve continuar negociando, dependendo dos textos que os mediadores agrícola e industrial apresentarão nos próximos dias. Os documentos são para tentativa de compromissos numa provável reunião ministerial em Genebra, em junho.

O ministro avisou que, se a dosagem das propostas dos mediadores for errada - tímida demais ou excessiva demais, conforme o interesse do país -, o risco é enorme de muitos considerarem os textos inaceitáveis, jogando uma pá de cal no acordo.

Para Amorim, existe "o risco de derrapagem" sobretudo no texto industrial. "Espero que não venham com elementos que tornem a negociação impossível", disse. Lembrou que, quando saíram os primeiros textos em julho do ano passado, o Brasil não chegou a rejeitar o documento de compromisso para produtos industriais, mas muitos países ficaram perto disso. "Temos de evitar uma situação como essa. Se não há um mínimo de equilíbrio, aí vai ser difícil. Eu acho até que de repente ficamos a mercê de circunstâncias fortuitas", observou.

Na reunião, Brasil e EUA verificaram que também as estatísticas dos dois lados são divergentes e será preciso mais conversas técnicas nos próximos dias. Na avaliação do ministro, o Brasil e os EUA têm posições parecidas sobre produtos sensíveis na área agrícola e também estão próximos sobre a eliminação de subsídios à exportação. Quanto ao corte de subsídios internos, que é basicamente nos EUA, o número só vai sair mesmo numa barganha final. Ambos querem continuar tentando fechar um acordo preliminar em junho.

Um porta-voz de Susan Schwab relatou o encontro com Amorim como "uma troca de idéias e estatísticas, para avançar nas três áreas - agrícola, industrial e de serviços -, uma oportunidade para tentar ser mais ambicioso na janela de oportunidade que temos agora".