Título: Lula diz que sente sofrimento e alegria pela saída de ministra
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 15/05/2008, Política, p. A6

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva comparou a saída de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente a de um filho "que decide sair de casa". Por isso, disse Lula, sentiu um misto de "sofrimento e alegria". Ele garantiu que não haverá alteração na política ambiental e cobrou dos países ricos o apoio prometido para garantir a preservação do meio ambiente em países de florestas tropicais.

Lula teve de comentar a saída de Marina e os temores de avanço do desmatamento da Amazônia após assinar acordos de cooperação com a primeira-ministra da Alemanha, Ângela Merkel, com quem chegou a conversar sobre a decisão de Marina. Antes de se encontrar com Lula, Merkel, elogiou a ex-ministra do Meio Ambiente em um encontro com representantes da sociedade civil, e, em entrevista ao "Jornal da Globo", informou que a saída da ministra causava "preocupação", e que abordaria o assunto com Lula.

O presidente minimizou o efeito da demissão da ministra, e garantiu que a política ambiental não mudará. Contestando indiretamente as críticas da ministra e sua equipe, que saiu mencionando as dificuldades de avançar com a agenda ambiental, Lula comentou que, entre 2002 e 2005, o Brasil criou "quase metade do total das áreas protegidas do mundo", e que a taxa de desmatamento caiu em 59% no mesmo período.

Ele não mencionou a informação de que, nos últimos cinco meses de 2007, o Ministério do Meio Ambiente constatou uma aceleração recorde no desmatamento - esses indicadores foram contestados pelo aliado de Lula, Blairo Maggi, governador do Mato Grosso, Estado onde ocorreu o maior desmatamento; e a divulgação do dados foi um fator de desgaste de Marina Silva. Na conversa com Lula, Merkel chegou a pedir explicações, dizendo-se preocupada, sobre indicadores de aumento recente do desmatamento na Amazônia.

"Para mim a questão ambiental tem que ser tratada com mesmo carinho que a gente trata a política social; a companheira Marina que o diga", insistiu Lula, ao afirmar que os princípios de proteção ambiental estão explicitados no recém-lançado Plano Amazônia Sustentável (preparado pela equipe de Marina Silva) e por seu programa de governo. Ele lembrou que, por sugestão da ministra, criou uma política de "transversalidade", pela qual questões como a proteção ao meio ambiente fazem parte de todas as discussões do governo.

"Não há separação da política de desenvolvimento sustentável e a preservação ambiental; então a companheira Marina se foi e a política continua, com o mesmo cuidado que sempre tivemos", garantiu. "Ela é uma pessoa muito respeitada; fico contente de que não vá mudar a política e vamos continuar cooperando", comentou Ângela Merkel.

Lula, ao lhe perguntarem sobre Marina, chegou a dizer que não fala de assuntos internos brasileiros em visitas de chefes de Estado estrangeiros, mas que comentaria a saída de Marina em respeito a Ângela Merkel, que foi ministra do Meio Ambiente alemã. "Não sei se já tiveram um filho que chega e diz, estou saindo", comparou Lula. Nesses casos, o pai sofre porque não quer que o filho saia, mas sente alegria "porque a pessoa, quando toma essa decisão, pensa que é o melhor para a própria vida".

"Me senti assim", resumiu, lembrando que conheceu Marina "há 30 anos", apenas quatro a menos que tem de casamento, e antes da filiação de ambos ao PT e antes da existência da Central Única dos Trabalhadores. Ele disse estar triste, porém, com a saída da ministra que disse considerar uma das pessoas mais qualificadas do mundo para discutir a questão ambiental.

Lula fez questão de responder a um jornalista alemão que perguntou a Ângela Merkel se ela acreditava que só o Brasil teria o direito de decidir sobre o desmatamento da Amazônia ou não. "É preciso repartir de forma solidária tudo que existe no planeta" argumentou o presidente, defendendo o compartilhamento da água, do petróleo e da ciência e tecnologia produzida nos países desenvolvidos. "A Amazônia é de fato e de direito da inteira responsabilidade e soberania nossa", insistiu. "Mas não somos trogloditas para não entender que a preservação da Amazônia não pode ser apenas de interesse do Brasil".

Qualquer política para a Amazônia brasileira terá de levar em conta as necessidades das 25 milhões de pessoas que vivem na região e criar alternativas rentáveis para garantir a manutenção d a floresta em pé, argumentou o presidente. Assim como a Amazônia é um patrimônio da humanidade, descobertas científicas de valor deveriam ser compartilhadas, acrescentou Lula, ligando a cobrança em relação à Amazônia à defesa feita em países como a Alemanha, de patentes de medicamentos. "Gostaria de que um país que encontrasse um remédio para enfrentar o câncer não o fizesse disso mercadologia individual, mas que fosse transformado em beneficio para a humanidade", argumentou Lula, ao lado de Merkel. "Porque, ao transformar em mercadologia sabemos que o rico vão ter acesso e os pobres não vão ter acesso."