Título: STF limita ação do governo federal sobre o Orçamento
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 15/05/2008, Política, p. A10

Mello diz que governo usou 23 MPs para liberar créditos extraordinários: "Tem-se na prática um orçamento paralelo" O Supremo Tribunal Federal (STF) limitou, ontem, o poder de o presidente da República abrir créditos extraordinários ao Orçamento através de medidas provisórias. A partir de agora, o governo só poderá abrir despesas extraordinárias - após a aprovação do Orçamento pelo Congresso - nos casos de calamidade pública, guerra e comoção interna.

Ao todo, o governo liberou R$ 25,1 bilhões em créditos por MPs entre o fim do ano passado e o início deste ano. O DEM e o PSDB entraram com oito ações no STF contra essas liberações, alegando que elas foram impostas pelo Executivo, sem votação prévia no Congresso Nacional.

Ontem, o tribunal julgou ação direta de inconstitucionalidade do PSDB contra a MP nº 405, que liberou R$ 5,45 bilhões para a Justiça Eleitoral e diversos órgãos do Executivo. Os ministros suspenderam a MP por seis votos a cinco. Na prática, não haverá retorno deste dinheiro, que já foi liberado. A MP já foi convertida em lei pelo Congresso. O que ficou definida é a orientação do STF de que não serão aceitas novas MPs abrindo créditos no Orçamento no futuro. O Supremo só permitirá essas MPs nas hipóteses previstas no artigo 167, parágrafo 3º , da Constituição: para atender despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública.

Durante a votação, o decano do STF, ministro Celso de Mello, ressaltou que o governo usou 23 MPs para liberar R$ 62,5 bilhões em créditos extraordinários desde 1º de janeiro de 2007. Segundo ele, este montante representa 10% do orçamento no período. "Em outras palavras, tem-se na prática um orçamento paralelo", criticou.

Mello disse ainda que, desde 1988, os presidentes da República editaram mais do que o dobro de MPs do que os decretos-leis dos presidentes militares. "Vale dizer: os curadores do regime autoritário editaram ao longo de 21 anos 2282 decretos-leis em proporção bem inferior ao volume de MPs sob a égide da atual Constituição", apontou o ministro sem citar o número de MPs editadas após 1988. "A crescente apropriação institucional do poder de legislar por sucessivos presidentes da República tem suscitado preocupações em razão do fato de a edição de MPs ter causado profundas distorções no Poder Legislativo."

Mello advertiu que as sucessivas edições de MPs podem paralisar a agenda do Congresso Nacional. Isso porque, se não forem votadas num prazo de 30 dias, renovados por igual período, as MPs trancam a pauta do Congresso, impossibilitando a votação de qualquer projeto. Segundo o ministro, essa situação leva ao risco de o Executivo "converter-se em instância hegemônica de poder", com o presidente da República legislando no lugar do Congresso.

Celso de Mello seguiu os votos dos ministros Eros Grau, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Carlos Ayres Britto, Marco Aurélio Mello e do presidente do STF, Gilmar Mendes, que foram proferidos no início do julgamento em 17 de abril passado. Eles concluíram que as despesas liberadas por MPs não eram urgentes, mas previsíveis. Como exemplo, Mendes citou a provisão de verbas para: combater a gripe aviária, melhorar o policiamento nas rodovias, evitar invasões em terras indígenas e acidentes com aeronaves.

Já os ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Carlos Alberto Direito e Ellen Gracie entenderam que não cabe ao Supremo examinar a pertinência da liberação de créditos. Essa seria uma competência do Executivo, com a posterior apreciação do Congresso Nacional. "Não há quem aprecie as MPs, mecanismo mais impopular que o decreto-lei", afirmou Ellen Gracie. "Mas também não há quem discorde da necessidade de um mecanismo extraordinário que garanta a governabilidade", completou a ministra. Para ela, as MPs são um mecanismo que garante a manutenção dos programas do governo "em momentos de apagão legislativo".

Após o julgamento, o advogado-geral da União, ministro José Antonio Dias Toffoli, afirmou que o presidente Lula manteve o seu poder de editar MPs, mas que deverá fazê-lo observando os requisitos de relevância e urgência.

O STF terá de julgar nos próximos dias mais de R$ 19,5 bilhões liberados de forma extraordinária por MPs ao Orçamento deste ano. A expectativa é que tenham o mesmo destino da ação de ontem: as MPs serão suspensas, mas a liberação dos valores fica mantida.