Título: O lento processo de convencimento
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 15/05/2008, Opinião, p. A12

O recente lançamento de medidas de estímulo às exportações pelo governo brasileiro é somente a primeira de uma série de ações necessárias para o sucesso de uma política industrial voltada para o crescimento e desenvolvimento econômico de longo prazo. O alerta sobre a possibilidade do retorno da vulnerabilidade externa na economia brasileira num curto espaço de tempo fez com que o presidente Lula despertasse para o risco latente de uma freada brusca no crescimento, tão cobiçado e esperado pelos brasileiros.

Com apoio do ministro da Fazenda, há indicações de que a política econômica tende a incorporar uma preocupação especial sobretudo com as exportações de manufaturados. Rapidamente, o BNDES foi convocado a tratar deste eixo fundamental na política industrial (fase 2), na qual desempenha papel central.

Sem dúvida nenhuma, este é um passo essencial para que a estrutura produtiva brasileira enrijeça suas bases, de modo a contribuir para um crescimento econômico duradouro. A história econômica mostra, e diversos trabalhos acadêmicos já comprovaram, que o crescimento econômico de diversas nações está relacionado com o modelo de desenvolvimento que define as exportações como seu engenho propulsor e o modus operandi com que as concessões e as contrapartidas são articuladas com o setor empresarial. O modelo asiático costuma ser o grande exemplo utilizado por especialistas para defenderem políticas públicas voltadas ao fortalecimento do parque produtivo via mecanismos indutores do progresso tecnológico e das exportações. Evidentemente que, para a adoção de perspectivas similares, deve-se compreender os meios que geraram seu sucesso. O reconhecimento de que o mundo deveria ser o consumidor de seus produtos, a articulação ativa entre setor público e privado, metas e prazos claramente definidos e o foco na formação de recursos humanos capacitados foram alguns dos ingredientes essenciais para os resultados obtidos por países asiáticos.

Os ventos têm trazido sinais de que este é o momento para que os gestores da política econômica brasileira se conscientizem definitivamente sobre as bases formadoras de uma trajetória de sucesso e que o Brasil teimosamente deve perseguir. O país vive um momento muito propício para alçar um vôo mais alto e estável rumo à consolidação de setores que já possuem competitividade externa e daqueles que são, não somente importantes, mas estratégicos para o desenvolvimento nacional. Estes ingredientes deverão estar plenamente incorporados a quaisquer ações da PITCE em sua fase II. Se no desenho da PITCE versão 2.0 as instituições públicas e privadas não estiverem com atribuições claras e com o mesmo grau de comprometimento, teremos que adiar nossa decolagem mais uma vez, pois a base de concorrentes internacionais diretos é crescente.

-------------------------------------------------------------------------------- Para o maior avanço nas exportações de industrializados será necessário mais que medidas compensatórias --------------------------------------------------------------------------------

Uma política industrial direcionada para o sucesso das exportações é justa e meritória. No entanto, estamos falando dos resultados antes mesmo de definir os pilares dessa construção. Quando alguém observa uma casa, o edifício onde mora, nem sempre se atenta para o fato de que a estrutura só está firme, rígida, porque há fundações profundas, muito bem implantadas e que foram estabelecidas com muito empenho. Sem elas, nenhuma estrutura estaria em pé. O mesmo raciocínio deve ser aplicado no processo de construção da política industrial brasileira.

A consolidação das exportações brasileiras do agronegócio só foi possível porque houve um empenho voltado para o desenvolvimento tecnológico, de modo a superar barreiras técnicas, geológicas, geográficas e outras. O sucesso que se colhe hoje não pode ser visto como uma dádiva dos céus. Sem dúvida, as chuvas na medida certa são essenciais para o setor, mas não se pode "fazer de conta" que a explosão de produtividade do algodão, da soja e do milho não é mérito de pesquisadores que se debruçaram sobre este assunto, com empenho, paciência e vigor. O ensinamento deve ser absorvido e registrado, pois para a expansão da competitividade de produtos já fortes no mercado externo e para o maior avanço nas exportações de produtos industrializados será necessário mais que medidas compensatórias.

Apesar das diferenças culturais, geográficas e da estrutura econômica que há entre os países asiáticos e o Brasil, um ensinamento básico do processo de desenvolvimento de lá deve ser extraído e aplicado aqui: a construção de um cenário apto para o fortalecimento e, sobretudo, a difusão da inovação tecnológica. O processo de despertar deve caminhar para este campo também. O espírito da inovação tecnológica só se enraizará na estrutura produtiva brasileira quando os governantes se conscientizarem que é através da formação de pessoal qualificado, desde a base até a formação profissional, que reside o sucesso das grandes nações desenvolvidas. Este, sim, é um projeto estratégico de longo prazo que passa de governo para governo sem a devida atenção.

A Embraer é hoje um dos grandes orgulhos nacionais e uma empresa sempre lembrada quando da apresentação de um discurso defensor das políticas tecnológicas. Entre 2000 e 2005, a indústria aeronáutica, classificada como setor de alta tecnologia, respondeu pelo terceiro lugar no ranking dos maiores superávits acumulados no período. Esse resultado não é um mero acaso, mas fruto da construção de um sistema setorial de inovação que, no passado, contou com instituições voltadas para a formação e capacitação de profissionais competentes que hoje contribuem para o avanço e liderança tecnológica da empresa em segmentos do mercado da aviação mundial. Livrar-se do ceticismo e criar coragem para abrir definitivamente os olhos para o mundo de gigantes em que vivemos é o próximo passo do processo de despertar.

Wellington Pereira é professor de economia na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e economista do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE).

Vanderléia Radaelli é economista e doutoranda em Política Científica e Tecnológica pela UNICAMP.