Título: À sombra da traição do PMDB
Autor: Cavalcanti, Leonardo
Fonte: Correio Braziliense, 19/02/2011, Política, p. 4

A cada dia o Planalto espera a infidelidade do partido. A cada dia os peemedebistas tentam mostrar lealdade, como ocorreu na votação do salário mínimo. Mas não adianta. A desconfiança é mais forte

De longe, a desconfiança contra os peemedebistas beira a insensatez. Não basta os políticos do partido fazerem tudo certinho, conforme o combinado com o governo federal: o medo da traição estará sempre lá, a atazanar as cabeças no Palácio do Planalto. Tal qual uma sombra incômoda em dia de feriado.

Na última quinta-feira, o PMDB foi capaz do maior gesto de fidelidade ao governo Dilma Rousseff. Fechou por completo com a proposta do salário mínimo de R$ 545 durante a votação na Câmara. Todos os 77 deputados da legenda votaram a favor. Como todos os caciques peemedebistas haviam anunciado.

O próprio Michel Temer ¿ que antes de virar vice-presidente da República já era peemedebista ¿ chegou a cravar, há duas semanas, que o partido votaria unido com o governo. De perto, parecia tão sincero que era difícil desconfiar. Temer cumpriu a promessa, festejada pelos petistas palacianos.

O problema é que, por mais que o PMDB mostre lealdade, sempre estará sob suspeita. A explicação para tal coisa está, inicialmente, na própria divisão peemedebista. Por mais que um determinado integrante da cúpula tente estabelecer a ordem, há sempre os dissidentes. Ninguém controla tudo, pois.

Eleições No caso do PMDB, os insurgentes ¿ para usar um termo um tanto mais bélico ¿ podem aparecer a qualquer momento, vide o exemplo de que 25 dos 77 parlamentares que votaram a favor do salário mínimo de R$ 545 não fizeram campanha aberta para Dilma Rousseff nas eleições de outubro passado.

A segunda explicação é algo inerente a políticos: o rancor. Sei, já falei sobre tal sentimento há duas semanas, justamente ao tratar dos peemedebistas. A dificuldade é um governante ou poderoso conseguir agradar a todos. Vai ter sempre um insatisfeito, que vai entornar o caldo, cedo ou tarde.

A recente distribuição de cargos agravou o temor da traição imediata. Vale lembrar da irritação do deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) ao perder a batalha na indicação de Furnas Centrais Elétricas. Qual o quê. Alves foi um dos defensores mais eloquentes do salário mínimo de Dilma.

Quem esperava traição acabou surpreendido. E apareceram as análises sobre o que estava escondido na estratégia do partido. Os peemedebistas, segundo uma das avaliações, teriam jogado unidos para mostrar a Dilma como podem ser bonzinhos ¿ mas, se um dia desejarem, podem fazer maldades.

Uma outra avaliação dava conta de que os sujeitos fecharam o apoio com receio de perderem os cargos que restam no segundo escalão. As duas avaliações estão corretas. Ao mesmo tempo em que tentaram mostrar a Dilma força e união, ainda temem perder a divisão do bolo do segundo escalão.

As duas análises resumem um velho chavão da política: governo novo não perde batalha no Congresso Nacional. Resta saber, portanto, qual é o prazo de Dilma e do próprio PMDB. Até lá, petistas e peemedebistas viverão à sombra de todas as desconfianças políticas.

Outra coisa Há uma disputa bem-humorada entre dirigentes dos blocos Suvaco da Asa e Nós que Nos Amamos Tanto, que festejam, neste sábado, as prévias carnavalescas de Brasília. Tem até jornalista que conta o número de foliões de cada um dos grupos só para fazer inferno. Uma maldade. Enquanto o frevo predomina no Suvaco, o samba sincopado é a característica dos batuqueiros ritmados do Nós. Caso saiba o resultado, avise-me sobre os números. Evoé, evoé.