Título: Ritmo do comércio supera o da produção
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 16/05/2008, Brasil, p. A3

Fabiano Cerchiari/Valor Fernando Montero, economista da Convenção: ritmo de expansão das vendas deve arrefecer nos próximos meses As vendas no varejo encerraram o primeiro trimestre de 2008 com alta de 12% em relação ao mesmo período do ano passado, confirmando que o consumo avança a um ritmo muito superior ao da produção doméstica. De janeiro a março, a produção industrial teve alta de 6,3%. Grande parte desse descompasso tem sido atendida pelo forte aumento das importações, segundo analistas. Em alguns setores, o fenômeno tem se traduzido em alguma pressão inflacionária. A expectativa dominante, porém, é de que o ritmo do consumo arrefeça ao longo do ano.

Em março, as vendas do comércio varejista cresceram 1,8% em relação a fevereiro, na série com ajuste sazonal, e 11,4% na comparação com março de 2007. Para a economista Giovanna Rocca, do Unibanco, o bom desempenho se explica pela continuidade do aumento do emprego e da renda, num cenário de oferta de crédito ainda abundante. No caso do comércio varejista ampliado, que inclui os segmentos de veículos, motos, partes e peças e de material de construção, o crescimento das vendas é ainda maior, atingindo 14,8% no primeiro trimestre. De janeiro a março, a maior expansão foi do segmento de equipamentos e material de escritório, informática, e comunicação: 29,2%.

"Os números reforçaram a avaliação de que há um descompasso entre oferta e demanda", diz Giovanna. Por enquanto, ela acredita que os juros, hoje em 11,75% ao ano, devem terminar o ano em 13,25%, mas considera possível uma revisão para cima da trajetória da Selic, devido ao ritmo forte do consumo e às pressões sobre os índices de preços.

O economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Moneto, também diz que os números da Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) do IBGE indicam um descompasso entre consumo e produção. No primeiro trimestre, as vendas no varejo subiram 2,8% em relação ao quarto trimestre de 2007, enquanto a produção industrial teve alta de 0,4%, na mesma base de comparação. "Essa diferença tem se refletido na forte elevação das importações", afirma o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale. De janeiro a março, as compras externas de bens duráveis (como automóveis e eletroeletrônicos) aumentaram 64,3% sobre o mesmo período de 2007.

Um segmento que mostra forte expansão do consumo é o de tecidos, vestuário e calçados. As vendas desses produtos subiram 13,3% no trimestre, percentual muito superior ao da produção industrial dos bens. De janeiro a março, a fabricação de têxteis cresceu 0,83% e a de vestuário, 77,2%. A de calçados e artigos de couro teve queda de 0,04%. No segmento de automóveis, a diferença é um pouco menor: a produção aumentou 19,35% no primeiro trimestre e as vendas de veículos, motos, peças e partes, 21,4%.

Vale diz que, em alguns casos, o forte crescimento da demanda tem levado a aumento de preços. Um dos segmentos é o da construção civil, em que há pouco espaço para as importações. No Índice Geral de Preços - 10 (IGP-10) de maio, divulgado ontem, o grupo materiais e serviços de construção registrou alta de 0,95%, influenciado também pela alta das commodities. O grupo vestuário também subiu com força no IGP-10: 0,95%.

Em termos dessazonalizados, os segmentos que tiveram a maior alta em março sobre fevereiro foram o de hiper, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo, com expansão de 3,3%, e o de tecidos, vestuário e calçados, com alta de 6,1%. "Vale ressaltar, entretanto, que esses dois segmentos haviam apresentado quedas expressivas de janeiro para fevereiro (de 4,6% e 2,8%, pela ordem), de modo que parte do resultado de março refletiu apenas uma recuperação do mês anterior", diz relatório da LCA Consultores. Vale, por sua vez, atribui a alta do primeiro grupo ao feriado de Páscoa, que costuma elevar o consumo de alimentos.

A LCA destaca que não houve desaceleração das vendas entre janeiro e março, uma vez que, no primeiro trimestre, houve expansão de 2,8% em relação ao trimestre anterior, na série livre de influências sazonais, número "ligeiramente maior" que o 2,6% registrado nos três últimos meses de 2007.

Os analistas, porém, não acreditam que o comércio vá se manter tão forte daqui para a frente. Vale, por exemplo, projeta uma alta de 8,5% ara as vendas no varejo no acumulado do ano, percentual inferior aos 12% observados no primeiro trimestre. Montero diz que, além do processo de alta dos juros, outros fatores também devem limitar a expansão do consumo nos próximos meses: a redução da renda disponível, devido ao aumento mais forte da inflação, a redução da confiança do consumidor e a moderação do ritmo de crescimento do crédito.

A PMC mostrou ainda que a receita nominal do comércio varejista cresceu 16,6% no primeiro trimestre. No caso do varejo ampliado, a expansão é de 19%.