Título: Brasil avisa Lamy sobre risco de fracasso
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 16/05/2008, Brasil, p. A4

O Brasil elevou a pressão e alertou ontem o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, de que há sério risco de os textos dos mediadores agrícola e industrial, previstos para serem discutidos na próxima semana, não viabilizarem a continuidade da já combalida Rodada Doha.

O embaixador Roberto Azevedo, o principal negociador comercial do Brasil, deu seguimento junto a Lamy da mensagem enfatizada pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, que em entrevista ao Valor, afirmou que a negociação global não vale o preço que os países industrializados estão cobrando dos emergentes.

Às 11 horas (6 horas no Brasil), circulavam traduções da reportagem do Valor entre delegações e a mudança de tom do Brasil foi recebida por pessoas envolvidas na negociação como parte de uma postura "tática", mas também refletindo "que a coisa está feia".

Amorim apontou "risco de derrapagem" sobretudo no texto industrial. A delegação brasileira vem insistindo que os industrializados dão pouco e fazem demandas exageradas, a ponto de comprometer o Mercosul, e que isso o Brasil não aceitará. O primeiro texto do mediador foi omisso sobre uniões aduaneiras. No caso do Mercosul, é ainda mais complicado com a atual Tarifa Externa Comum (TEC).

O mediador da negociação industrial, o canadense Don Stephenson, diz que os países devem negociar os tamanhos das flexibilidades e cortes tarifários, para ele refletir isso no seu documento.

Nesse cenário, surgiu um novo um grupo informal, com 11 países, para tentar evitar o fiasco na negociação de produtos industriais. O grupo é formado pelo G-6 - Brasil, Estados Unidos, União Européia, Índia, Austrália e Japão -, além de China, México, África do Sul, Canadá e Hong Kong, numa mistura de diferentes interesses.

Nas últimas semanas, o mediador comentou com vários negociadores que eles não vão gostar dos números que ele proporá em seu novo texto, na semana que vem, o que causou mais desconforto entre os emergentes. O primeiro texto de Stephenson, em julho do ano passado, provocou uma reação contrária de mais de 100 países em desenvolvimento. Ele propunha coeficientes 19 a 23 para cortar tarifas de importação em países em desenvolvimento. No caso do Mercosul, isso resultaria em redução entre 57% e 61% nas alíquotas consolidadas. Além disso, os países só poderiam cortar menos, entre 5% e 10% das tarifas.

Os EUA não querem sair de jeito nenhum desses números. Já o Mercosul pede flexibilidade para excluir até 16% das linhas tarifárias de maior liberalização.

O novo texto industrial deve propor três faixas de corte tarifário. Podem variar dos coeficientes 19 a 25, na expectativa de certos negociadores. No caso do Mercosul, isso daria redução entre 55% e 61%. Se o corte for maior, a flexibilidade será acima de 10%, para proteger certos setores. Se for menor, os países em desenvolvimento só poderiam excluir menos de 10% das alíquotas totais.

A questão é como fazer a dosagem entre os textos agrícola e industrial. O Brasil reitera que está engajado na rodada. Mas também alerta que Doha corre perigo forte se um texto industrial não levar em conta as sensibilidades do Mercosul da mesma maneira que o texto agrícola aceita as sensibilidades da União Européia nesse setor. A posição brasileira é de que os textos industrial e agrícola é que vão determinar se haverá reunião ministerial em junho, para a rodada prosseguir.

"Doha precisa andar na questão agrícola e deve ser com custo mínimo. O ministro Amorim lembrar isto agora é muito bom", afirmou o analista Pedro de Camargo Neto. "O inaceitável mesmo é ver o eventual fracasso de Doha não ficar claramente sob a responsabilidade dos EUA."

Sua avaliação é de que, não sendo possível um acordo agora, pode valer aguardar o próximo presidente norte-americano, já que os candidatos sinalizam alteração de política internacional, fortalecendo o multilateralismo, num reconhecimento do fracasso de George W. Bush. "E fortalecer a OMC deve ser de interesse da maior economia e maior trader do mundo, os EUA."