Título: Marina pede que Planalto não ceda a pressões
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 16/05/2008, Política, p. A6

Ao falar pela primeira vez sobre sua demissão, a ex-ministra Marina Silva reclamou das pressões dos governadores do Mato Grosso e de Rondônia para relaxar medidas de combate ao desmatamento, evitou críticas ao filósofo Mangabeira Unger e disse que é cedo para considerar-se derrotada na busca pelo desenvolvimento sustentável, mas alertou para o risco de retrocesso nas políticas ambientais, se não houver um novo "acordo político".

Para a ex-ministra, aplaudida diversas vezes por assessores e ativistas após cada resposta mais dura, há "estagnação" da agenda ambiental no país e é preciso "renovação" de quadros para dar novo impulso a esse processo. Como exemplo da estagnação que descreveu, Marina citou o freio na criação de novas unidades de conservação florestal. Enquanto houve a demarcação de 20 milhões de hectares de novas áreas entre 2003 e 2006, foram apenas 300 mil hectares do início de 2007 para cá, segundo a ex-ministra. "Essa agenda precisa recuperar a credibilidade do primeiro mandato", exortou Marina.

Ela admitiu ter sido surpreendida pela entrega da coordenação do Plano Amazônia Sustentável (PAS) ao ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, mas esclareceu que sua demissão não se deve a esse episódio, e sim à perda da capacidade de influenciar os demais setores do governo. "Não posso dizer que o meu gesto é em função do doutor Mangabeira", explicou a ex-ministra. "Não é uma questão de pessoa, é que você vai vendo um processo e percebe quando começa a ter estagnação. E, na estagnação, devemos criar um novo processo, com novos acordos e um novo ministro."

"Percebi que as pedras não estavam mais se movendo", continuou Marina, justificando sua saída. Preferindo adotar raciocínios longos a respostas diretas, durante sua entrevista, a ex-ministra usou uma metáfora para ilustrar a perda de condições políticas para avançar na agenda ambiental e a confiança no trabalho do geógrafo Carlos Minc, convidado para sucedê-la no Meio Ambiente. "É preferível um filho vivo no colo de outro do que ter um (filho) jazendo no seu colo", afirmou Marina. "E tenho certeza de que o novo ministro, pela biografia que tem, será capaz de mantê-lo vivo e fazê-lo crescer."

Justamente por isso, completou a ex-ministra, ela garantiu não sair com a sensação de derrota. E lembrou a morte do seringueiro e ativista Chico Mendes, seu amigo, em 1988, para filosofar sobre como a aparência de fracasso hoje pode transformar-se em vitória no futuro. "Se formos capazes de colocar em pauta o eixo do desenvolvimento sustentável, vamos ver que a saída da Marina foi uma vitória. Me senti derrotada com a morte de Chico Mendes, essa era irremediável. (Mas) hoje todos estamos preocupados com a Amazônia, não existe hoje um governador que pensa que vai ganhar eleição distribuindo motosserra. Vendo no tempo, não foi uma derrota."

Marina pediu que o governo e o novo ministro do Meio Ambiente não cedam a pressões dos governadores do Mato Grosso, Blairo Maggi, e de Rondônia, Ivo Cassol, para recuar nas medidas tomadas para conter a tendência de alta do desmatamento. "Não se pode retroceder na resolução do CMN", cobrou Marina, em referência à norma que condiciona a concessão de crédito à comprovação de regularidade fundiária e ambiental. Ela também saiu em defesa do Deter, o sistema de detecção imediata por satélites de derrubada de árvores, e da atuação do governo em função dos resultados preliminares que indicavam inversão da queda no desmatamento. Maggi e Cassol têm contestado permanentemente a veracidade das informações apresentadas pelo Deter.

Ao fazer um balanço dos cinco anos e meio em que esteve no cargo, a ex-ministra revelou que um dos momentos mais complicados foi o do licenciamento das usinas hidrelétricas do rio Madeira, quando oito técnicos do Ibama assinaram parecer contrário à viabilidade ambiental do projeto, gerando uma crise com o setor elétrico e com o Palácio do Planalto, que queria licitar rapidamente o empreendimento.

"Eu poderia sair naquela época e ficar como heroína. Mas isso seria injusto porque pareceria que o presidente Lula queria passar por cima do licenciamento. E ele disse várias vezes que não queria que as usinas fossem feitas de qualquer jeito", comentou.

Marina avaliou que, se por um lado foi contrariada na regularização dos transgênicos, pôde mudar os rumos das próprias usinas do Madeira, do projeto de transposição do rio São Francisco e da pavimentação da BR-163.

No caso da transposição, ela lembrou que o volume de água a ser desviado caiu dramaticamente, reduzindo os impactos sobre as bacias hidrográficas. Quanto ao licenciamento do complexo hidrelétrico do Madeira, citou o uso de turbinas bulbo - que diminuem a área a ser alagada - e os cuidados adicionais com a preservação dos peixes e com o nível de acúmulo de sedimentos no rio. Em ambos os casos, atribuiu esses ganhos a uma ação direta do ministério. "Não é razoável que um empreendimento daquele porte (as usinas do Madeira) já tivessem 50% do lago assoreado em dez anos", disse a ex-ministra, que aproveitou a coletiva para negar qualquer intenção de deixar o PT. Também fez questão de defender os biocombustíveis, com ressalvas: "A Amazônia não pode ter cana de jeito nenhum".