Título: Brasil pode ter de condenar Chávez por ligação com as Farc
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Fonte: Valor Econômico, 16/05/2008, Internacional, p. A13

AP O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, chama de ridícula a investigação da Interpol dos documentos das Farc Causou preocupação no governo brasileiro a confirmação de que não foram manipuladas as informações contidas nos computadores das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), com dados que supostamente confirmam ligações entre os guerrilheiros e o presidente da venezuela, Hugo Chávez. O governo ainda não planeja nenhuma manifestação, mas poderá ser levado a condenar a ação de Chávez publicamente, se confirmada a interferência do venezuelano em assuntos internos da Colômbia, segundo informaram diplomatas brasileiros ao Valor.

O tema deve aquecer as conversas entre chefes de Estado e governo que se encontram hoje, em Lima, no Peru, para a reunião de cúpula União Européia-América Latina. Há expectativa, entre os diplomatas brasileiros, sobre as reações de Chávez e do presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, ao anúncio da Interpol.

Para evitar o agravamento do atrito com o vizinho, um dos principais consumidores de alimentos e produtos industrializados colombianos, o Itamaraty crê que Uribe poderá baixar o tom das acusações contra Chávez.

Mas também se considera possível que o colombiano dê detalhes de suas acusações ao venezuelano, e cobre auxílio dos Estados Unidos, onde está paralisada a aprovação do acordo de livre comércio EUA-Colômbia.

Marcar Chávez como aliado da guerrilha, considerada terrorista pelos EUA, poderia ajudar Uribe a obter apoio para o acordo de livre comércio, num momento de ascensão dos democratas, que se opõem ao acordo, no cenário político americano. Uribe está, ele próprio, envolvido em um escândalo com a revelação de ligações de políticos aliados com grupos paramilitares colombianos.

Embora uma eventual comprovação do envolvimento de Chávez com a guerrilha seja considerado bem mais grave que a ação do governo colombiano ao invadir território do Equador, onde capturou os computadores das Farc, um diplomata que acompanha de perto o assunto diz que o Brasil poderá adotar uma estratégia de "panos quentes", evitando condenação em termos muito duros - assim como foi feito na OEA com a Colômbia. O Brasil tentará agir como "bombeiro", para evitar uma crise grave e negociar a estabilidade no continente, adianta outro diplomata, bem situado no Itamaraty.

Nos próximos dias, os governantes da região não terão como escapar do debate, nem do constrangimento entre Uribe e Chávez. No dia 23 está prevista uma nova reunião dos chefes de Estado da América do Sul, em Brasília, para a assinatura da ata constitutiva da Unasul (União das Nações Sul-Americanas) - um encontro que estava marcado para a Colômbia e foi transferido extraordinariamente ao Brasil devido aos atritos entre Chávez e Uribe. No fim do mês, ainda, haverá reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA), na cidade colombiana de Medelín, em que, acreditam os diplomatas, a questão terá de receber um tratamento definitivo por parte dos governos no continente.

Se não forem consistentes as provas extraídas dos computadores da guerrilha, mas indicarem envolvimento da Venezuela com ações das Farc, o desagrado do governo brasileiro com a ação de Chávez deve ser transmitido reservadamente, com base na avaliação do Itamaraty de que uma repreensão pública só radicalizaria o discurso do presidente venezuelano.

As acusações contra Chávez, pelo governo colombiano, são graves, e vão desde promessas de empréstimo à guerrilha a negociação para fornecimento de armas. Se forem sólidas as provas apresentadas por Uribe, teriam o poder de isolar ainda mais Chávez no cenário sul-americano, o que é considerado indesejável pelo governo brasileiro. Mas também configurariam intervenção do governo venezuelano em ações de desestabilização no país vizinho, algo considerado inaceitável pelo Brasil, segundo lembra um diplomata graduado.

Há consenso no Itamaraty de que o governo não ficará à margem da crise, mas ainda é incerto o grau de publicidade que dará a suas ações.