Título: Bolívia afugenta investidores com um contínuo estado de incerteza
Autor: Souza , Marcos de Moura
Fonte: Valor Econômico, 16/05/2008, Internacional, p. A13

Um investidor que pense em aportar recursos na Bolívia no segundo semestre terá pela frente uma série perguntas sem resposta. Não saberá ao certo, por exemplo, quem será o presidente da República, qual será a Constituição nem quais serão as competências dos governos central e regionais.

Nos últimos anos, a Bolívia foi o país da América do Sul que mais criou incertezas políticas, institucionais e regulatórias, afugentando os investidores. Entre 2006 e 2007, a contração do volume de investimento externo direto foi de 41%, o maior índice entre os países da América Latina e Caribe, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).

Num giro pela Europa, em janeiro, o ministro das Relações Exteriores da Bolívia, David Choque-huanca, tentou convencer os europeus de que a Bolívia era um lugar seguro e aberto a investimentos. "Não somos contra os investidores, precisamos de investimentos. Temos matéria-prima, não temos tecnologia. Queremos investimento com transferência de tecnologia, queremos investimento que nos ajude a sair da pobreza."

Choquehuanca tinha missão difícil. A Bolívia vinha de uma sucessão de reviravoltas político-institucionais - renúncias de presidentes, conflitos sociais, estatizações, impasses constantes com setores produtivos e ameaças autonomistas da oposição. Entre 1998 e 2002, a média anual de investimento externo direto (IED) foi de US$ 814 milhões. Entre 2003 e 2007, o valor despencou para US$ 86 milhões.

Depois que o chanceler voltou da Europa, o ambiente de incertezas - que os investidores tanto rejeitam - só se agravou. Oposicionistas do Departamento de Santa Cruz conseguiram aprovar num referendo a autonomia da região em relação ao governo central, o que abriu uma janela de dúvidas sobre a administração de impostos e a gestão de políticas e obras públicas. Dias depois, o presidente Evo Morales marcou para 10 de agosto um referendo pelo qual os eleitores poderão interromper o seu mandato e os dos nove governadores do país. A medida havia já sido aprovada pelo Congresso. Embora pesquisas apontem que Morales sobreviverá ao referendo, na prática não é possível hoje dizer quem será o presidente do país a partir de agosto.

"Os investidores sabem lidar com risco. Sabendo quais as probabilidades do risco, investidores colocam preço em cada cenário. Mas eles não sabem lidar com a incerteza, com a falta de regras claras, como é o caso da Bolívia", diz Alberto Ramos, economista-sênior da Goldman Sachs para a América Latina.

Culpa de Morales? Não totalmente, continua Ramos, lembrando que, sob os últimos governos que o antecederam, o país já vivia um clima de intensa divisão política e social. "Mas, após sua eleição, as divisões aumentaram." Do ponto de vista dos investidores, o país tornou-se um destino nada atraente, define Ramos.

No ano passado, segundo a Cepal, a Bolívia só atraiu US$ 164 milhões em investimento externo, ficando, na América do Sul, à frente apenas do Paraguai, que recebeu apenas US$ 142 milhões. Com os investidores arredios, a produção de gás boliviana quase não sobe e a mineração perde peso no PIB boliviano - de 6,04%, em 1995, para 3,95% em 2007.

Na quarta-feira, o diretor-geral de Relações Exteriores da Comissão Européia, o espanhol Eneko Landáburu, falou em visita à Bolívia sobre sua "preocupação pela forma" como unidades de petroleiras e telecom de capital alemão, britânico, espanhol, holandês e italiano foram estatizadas.

Para Roberto Laserna, pesquisador social e diretor da Fundación Milenio, um centro de análises econômicas da Bolívia, o cerne das incertezas recentes está na Constituição aprovada no fim do ano passado - numa sessão controversa da qual a oposição não participou. "A aprovação pôs em dúvida o sistema institucional e jurídico no país." A Constituição foi aprovada, mas ainda precisa passar por um referendo. E, em tese, a Carta anterior é que segue vigorando. "É um estado de anomia, de ausência de normas, de leis de regras que regem o comportamento social".

Segundo um modelo criado por Laserna - e por outros dois acadêmicos, um da Universidade da Califórnia e outro da Universidade Católica na Bolívia - o ambiente de conflito social dos últimos 50 anos tirou um ponto percentual do PIB do país a cada ano. Não fosse isso, diz Laserna, o PIB boliviano seria até três vezes os cerca de US$ 10 bilhões atuais.