Título: Fundos de desenvolvimento
Autor: Santiso , Javier
Fonte: Valor Econômico, 16/05/2008, Opinião, p. A15

Os fundos de riqueza soberana vêm capturando as manchetes de quase todos os jornais de países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O debate sobre seu possível impacto financeiro global e suas políticas de investimentos continua aquecido. Estranhamente, a questão do desenvolvimento está fora dos debates.

É uma omissão gritante, já que os fundos soberanos são importantes protagonistas na questão, surgindo precisamente de países em desenvolvimento e emergentes. Mais além de sua espetacular ascensão, há notícias promissoras para a riqueza das nações (em desenvolvimento): os fundos soberanos de riqueza são (ou poderiam ser) fatores importantes no desenvolvimento financeiro. Não apenas em suas terras natais, mas também no exterior, em outros países emergentes. Nessa perspectiva, poderíamos ter de renomeá-los, usando uma terminologia mais apropriada: os fundos de riqueza soberana são, acima de tudo, fundos de desenvolvimento soberano.

Em primeiro lugar, os fundos de riqueza soberana (SWFs, na sigla em inglês) são artefatos de um grande reequilíbrio de poder econômico e financeiro mundial em andamento. Sua ascensão não é controversa apenas pelo medo de investimentos induzidos politicamente, falta de transparência e outros argumentos baseados em maior ou menor grau em sofisticadas teorias da conspiração. Também o é porque os fundos simbolizam um fenômeno muito maior e mais profundo que remodela a economia e finanças mundiais. Os mercados emergentes estão, de forma atípica, assumindo a liderança e tornando-se credores maciços, particularmente de países industrializados. Desde o início da década de 2000, o mundo emergente como um todo, pela primeira vez, apresenta superávits em conta corrente e exporta capital para o resto do mundo. Os países emergentes agora são motores- chave e protagonistas na economia mundial.

Quando a OCDE foi criada, há 50 anos, concentrava quase 75% do PIB mundial. Agora, representa exíguos 55%. Em 2007, os motores do crescimento estiveram localizados nos países emergentes. Também testemunhamos, pela primeira vez, importantes investimentos externos diretos provenientes de países emergentes. O crescimento dos SWFs deveria, portanto, ser colocado nesta perspectiva mais ampla: pela primeira vez, atores financeiros de países em desenvolvimento jogam, como iguais, com outros gigantes financeiros da OCDE. A novidade é que os novos participantes financeiros globais não contam com sedes na City londrina ou no distrito financeiro de Nova York, mas em locais mais exóticos, como Pequim, Cingapura ou Dubai. Já são agentes financeiros globais de tamanho considerável. Os maiores SWFs, dos Emirados Árabes Unidos, Kuait e China, atingiram uma escala alinhada a dos maiores gestores de recursos, fundos de hedge e grupos de private equity do mundo.

No final de 2007, essas novas fortes corretoras acumulavam, juntas, mais de US$ 3,1 trilhões, de acordo com o Morgan Stanley. A quantia é equivalente à soma total dos valores mobiliários negociados na África, Oriente Médio e Europa emergente, que, combinados, somam cerca de US$ 4 trilhões; este também é, aproximadamente, o tamanho desses mercados em toda a América Latina. Se suas tendências de crescimento mantiverem o ritmo atual, poderiam chegar a US$ 17 trilhões nos próximos dez anos, somando mais de 5% do total global de riqueza financeira.

Em segundo lugar, e ainda mais interessante: os SWFs não são apenas importantes instituições financeiras de desenvolvimento surgindo em países emergentes, mas, acima de tudo, estão se tornando grandes participantes no desenvolvimento de outras nações emergentes. As recentes compras espetaculares de participação em grandes bancos de países da OCDE dominaram as manchetes de jornal. O auxílio a tradicionais instituições financeiras ocidentais são bastante impressionantes, somando US$ 35 bilhões até o final de 2007. Não menos interessante são suas apostas em economias emergentes. Alguns de seus maiores investimentos já foram destinados a países em desenvolvimento na Ásia, África ou América Latina e as somas poderiam continuar a aumentar no futuro.

-------------------------------------------------------------------------------- Os fundos contribuirão para ampliar os investimentos em renda variável, injetando capital em empresas locais e projetos nos emergentes --------------------------------------------------------------------------------

Alguns SWFs, como o Temasek, de Cingapura, por exemplo, uma instituição veterana, criada em 1974, já possuem grandes participações e investimentos em empresas asiáticas, contribuindo para o desenvolvimento desses países. De modo geral, a Ásia (excluindo Japão e incluindo Cingapura) já concentra 40% da carteira do fundo, mais do que seus investimentos na própria Cingapura (38%) e o dobro dos alocados em países da OCDE (20%).

Essas apostas já dão retorno: a Kuwait Investment Authority (KIA), fundo soberano de US$ 215 bilhões, obteve lucros suculentos com sua fatia de US$ 750 milhões no Industrial and Commercial Bank of China. Tanto a Qatar Investment Authority, como a Dubai International Capital, estão atrás de investimentos importantes no Oriente Médio e norte da África. Um dos investimentos mais importantes da Abu Dhabi Investment Authority (Adia) é o banco de investimento egípcio EFG Hermes (no qual possui participação de 8%). O Investment Group também possui participações em empresas do norte da África, como a Tunisia Telecom (17,5%).

O futuro trará mais investimentos importantes direcionados a economias emergentes e em desenvolvimento. A KIA já está reduzindo uma porção de seu portfólio investida na Europa e EUA, de cerca de 90% para um patamar inferior a 70%. Mercados emergentes na Ásia (e outras regiões) atraem cada vez mais atenção: afinal, por que se preocupar em investir em economias de baixo crescimento na OCDE, quando se pode ter acesso a taxas de expansão de quase dois dígitos em países emergentes? A Dubai International Capital está disposta a avançar na Ásia emergente, almejando que a região represente 30% de sua carteira total. Por enquanto, seu portfólio é concentrado na Europa (70%), com o restante no Oriente Médio.

São boas notícias para os países em desenvolvimento. Os SWFs contribuirão para ampliar os investimentos em renda variável, injetando capital em empresas locais e projetos em países emergentes. Os fundos desenvolvem carteiras de longo prazo e, portanto, contribuirão para reduzir a volatilidade, por estarem menos sujeitos às limitações da necessidade de retornos mais imediatos nos investimentos e ganhos de curto prazo, que são regra na vida dos gestores tradicionais de recursos do Ocidente. Ainda mais interessante, em função de seus poderes e objetivos, tendem a voltar-se a investimentos mais seguros e retornos de longo prazo. Por ironia, isso as havia levado a investir a maior parte de seus recursos em países da OCDE, quando as necessidades de infra-estrutura e questões de distribuição de carteira indicam que eles se beneficiariam se estendendo mais à África, Ásia e América Latina.

Isso também poderia ser uma boa notícia para o continente e proporcionar uma inesperada ajuda para que se alcancem os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Caso os fundos de desenvolvimento soberanos optem por alocar, digamos, 10% de suas carteiras em outras economias emergentes e em desenvolvimento nos próximos dez anos, isso poderia gerar entradas espetaculares de US$ 1,4 trilhão, ou, em outras palavras, uma quantia anual superior à que os países da OCDE direcionam em programas de auxílio para economias em desenvolvimento. Para todos os doadores interessados em contribuir para que se obtenha o desenvolvimento, sua emergência poderia, portanto, ser uma bênção disfarçada e estes fundos também poderiam tornar-se possíveis sócios no desenvolvimento financeiro.

Javier Santiso é diretor e economista-chefe de Desenvolvimento no Centro de Desenvolvimento da OCDE.