Título: Mercado interno eleva lucro de empresas no trimestre
Autor: Fregoni , Silvia
Fonte: Valor Econômico, 16/05/2008, EU & Investimentos, p. D3

O primeiro trimestre do ano foi marcado por notícias pouco animadoras, como a crise financeira internacional, o risco de recessão nos Estados Unidos e o fechamento dos mercados para novas emissões de ações. No país, houve ainda a expectativa de aumento dos juros e o início da pressão inflacionária. Apesar disso, as empresas brasileiras continuaram mostrando fôlego e melhoraram os resultados no período.

Os balanços trimestrais de 151 companhias de capital aberto não-financeiras, compilados pelo Valor com base em informações da Economática, mostram faturamento em alta e lucros crescentes na comparação com igual intervalo de 2007. O lucro subiu 9% e alcançou R$ 20,4 bilhões até março. Sem considerar Vale do Rio Doce e Petrobras, cujos números gigantes acabam por distorcer a média, o resultado das companhias subiu ainda mais, 19%, para R$ 11, 2 bilhões.

Por conta de operações de "hedge" (proteção) com derivativos, que geraram perdas contábeis de US$ 318 milhões, a Vale registrou queda de 55% no lucro líquido do primeiro trimestre, que ficou em R$ 2,2 bilhões. Já no caso da Petrobras o resultado saltou 68% até março, para R$ 6,9 bilhões, devido a aumento de preços e da produção, superando as expectativas dos analistas.

"A melhora geral nos resultados das companhias deve-se ao crescimento econômico doméstico", avalia a estrategista da Fator Corretora, Lika Takahashi. "A expansão não é exuberante como a chinesa e a indiana, mas se reflete no desempenho das empresas e, conseqüentemente, nos balanços", ressalta o professor da Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Evaldo Alves.

Com a evolução do Produto Interno Bruto (PIB) e a demanda interna aquecida, as empresas elevaram as vendas de produtos e serviços. Assim, a receita líquida saltou 22% do primeiro trimestre de 2007 para o mesmo período deste ano, atingindo R$ 182,2 bilhões. Desconsiderando-se Vale e Petrobras, o aumento foi de 29%, para R$ 121,2 bilhões. Por outro lado, as despesas operacionais, relacionadas à própria atividade das companhias, sem impacto da linha financeira, cresceram bem menos que a receita, contribuindo para o lucro. O aumento foi de 13% no geral, para R$ 22,4 bilhões, e de 15% sem Vale e Petro, para R$ 18,7 bilhões.

"Diferentemente do que boa parte dos economistas esperava, não houve contaminação do cenário interno pelo externo. Foram apenas influências tópicas, pois o Brasil está mais forte", diz o professor de finanças do Ibmec-RJ Gilberto Braga.

Para o economista da Tendências Consultoria Alexandre Andrade, o cenário interno favorável ao aumento das vendas pelas empresas se baseia em dois principais pilares: elevação do nível de emprego e crescimento da renda, apesar de a pressão inflacionária sobre alguns gêneros alimentícios diminuir em parte o poder de compra da população.

O consumo doméstico também é puxado pela expansão do crédito. Pelo quarto ano seguido, o volume de crédito do sistema financeiro nacional deve apresentar crescimento superior a 20%.

A construção civil é um dos segmentos mais beneficiados pela maior disposição dos bancos em emprestar. O lucro de 22 empresas do setor disparou 615%, saindo de R$ 81 milhões no primeiro trimestre do ano passado para R$ 579 milhões agora. A receita líquida mais do que dobrou (subiu 106%), enquanto a despesa operacional avançou bem menos (75%).

Esse segmento está colhendo os frutos plantados em 2007, ano de grande salto no financiamento imobiliário. No setor, a receita com a venda dos empreendimentos só é contabilizada à medida que são executadas as obras, ou seja, geralmente aparece no balanço apenas meses depois do planejamento e da venda dos imóveis. E é isso que está acontecendo agora, o que contribui para melhorar os balanços.

Outros exemplos de setores com desempenho de destaque neste primeiro trimestre, devido à relação com a economia doméstica, foram o financeiro, o de empresas ligadas à indústria automotiva e o de concessionárias. Para atender à demanda interna, algumas companhias passaram, inclusive, à redirecionar para o país a produção que era exportada. "É o caso das siderúrgicas e montadoras", diz Andrade, da Tendências.

Como a procura por aço cresceu 19%, acima dos 10% esperados pela indústria, as siderúrgicas tiveram de cortar exportações. A mudança de estratégia também foi uma forma de as empresas se protegerem do câmbio. A valorização do real pega em cheio o setor exportador, que tem receita em dólar.