Título: Geradoras criticam venda de energia de hidrelétricas para a Argentina
Autor: Schüffner , Cláudia ; Santos , Chico
Fonte: Valor Econômico, 20/05/2008, Brasil, p. A2

Hermes Chipp, do ONS: exportação de energia de hidrelétricas que não estejam vertendo será limitada a 500 MWm A possibilidade de inclusão de energia hidráulica armazenada nos reservatórios no pacote de energia elétrica que está sendo exportada para a Argentina está causando enorme polêmica no setor elétrico brasileiro. No domingo foram enviados ao país vizinho 776 megawatts (MW) produzidos por dez termelétricas, mas o acordo entre os países prevê também o despacho de energia hidrelétrica para devolução após o inverno, uma espécie de troca simples.

As empresas geradoras reclamam que para elevar os reservatórios brasileiros aos níveis atuais a sociedade brasileira pagou R$ 1,3 bilhão entre janeiro e maio com o acionamento de termelétricas a custo elevado, inclusive movidas a óleo diesel, as mais caras. E temem que essa água faça falta ao Brasil.

O presidente do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Hermes Chipp, disse ao Valor que isso não ocorrerá, já que a exportação de energia de hidrelétricas que não estejam vertendo água será limitada a 500 megawatts médios (MWm). E é essa energia que terá que ser devolvida. O restante, gerada por térmicas e hidrelétricas com excesso de água nos reservatórios, será paga de acordo com as regras do mercado e liquidadas pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).

Este é o quinto ano consecutivo que o Brasil vende energia elétrica à Argentina durante o inverno. Até o ano passado, só era permitido exportar energia de térmicas que estivessem desligadas ou de reservatórios hidrelétricos que estivessem vertendo água no período por estarem cheios demais.

Em 2008, o acordo firmado entre os dois governos, depois que a Petrobras se negou a abrir mão do gás boliviano, ampliou o leque de possibilidades, prevendo também a venda de energia hidrelétrica normal. Como contrapartida, a Argentina se compromete a devolver esses volumes a partir de setembro, quando os reservatórios brasileiros já estarão muito baixos e o retorno da energia ajudará no suprimento doméstico.

A decisão do governo brasileiro, ainda em fase de regulamentação pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), foi tema de uma reunião da Associação Brasileira de Geradores de Energia Elétrica (Abrage) na sexta-feira. A ênfase de alguns geradores ouvidos pelo Valor foi de que o Brasil não deveria enviar energia hidráulica para a Argentina sem que ela fosse resultado de um acordo comercial, ou seja, uma operação de venda na qual os custos de oportunidade de ambos os lados fossem considerados. Há temor de que a crise na Argentina se agrave e ela não tenha condições de devolver a energia.

"A Abrage é favorável à exportação de energia de origem térmicas e de usinas que estejam desligadas. Nós, os brasileiros, pagamos caro por essas térmicas quando precisamos recuperar nossos reservatórios e não é justo enviar agora para a Argentina quando o preço está em menos de R$ 40", diz Flávio Neiva, presidente da Abrage.

Silvio Areco, diretor da Cesp, diz que há dificuldade de aplicar as regras do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), típicas do mercado brasileiro, para as exportações. "A Argentina não faz parte do setor elétrico brasileiro. Gastou-se um dinheiro enorme para levantar esses reservatórios e ter boa entrada de 2009. Acho grave gastarmos com a Argentina com o compromisso teórico de eles devolverem."

Manuel Zaroni Torres, presidente da Tractebel Energia, ressalta que a exportação para a Argentina não pode ser considerada emergencial, como previsto no acordo entre os dois países. "A possibilidade de dificuldades de atendimento para crescimento do mercado e, por conseguinte, a necessidade de complementação energética, via exportação, não são, portanto, questões do tipo excepcionais ou emergenciais de curto prazo que demandariam uma ajuda sem qualquer remuneração. Decorrem de aspectos absolutamente estruturais e de longo prazo", diz a Tractebel, em contribuição à consulta pública feita pela Aneel, que terminou quarta-feira passada.

Zaroni mostrou preocupação com o fato de o Brasil não ter condições de absorver a energia devolvida pela Argentina no período estabelecido, por se tratar de período no qual a região Sul está normalmente com excesso de capacidade em seus reservatórios.