Título: Textos para Doha incluem demandas brasileiras
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 20/05/2008, Brasil, p. A4

O Brasil teve demandas incorporadas nos novos textos agrícola e industrial, que servirão como base para intensivas barganhas nas próximas semanas, para um eventual acordo na Rodada Doha. O novo texto industrial, sobretudo, procura deixar todas as opções abertas para garantir espaço a negociação entre os ministros. Não houve a "derrapagem" que o Brasil temia. Mas o número de colchetes, refletindo as persistentes divergências entre importadores e exportadores, sinaliza que um entendimento é bem difícil nas próximas semanas.

A maior expectativa era justamente sobre o que o mediador da negociação para produtos industriais, Don Stephenson, proporia. Ele jogou tudo quanto é opção no papel, mas sem categorização. Incorpora propostas feitos pelo Mercosul, pela Venezuela, pelos Estados Unidos, pela União Européia e África do Sul em pontos especialmente sensíveis, sem indicar as que têm mais possibilidade de consenso entre os membros.

Para os países emergentes, o texto do mediador industrial inclui opções com maior faixa de coeficientes e de flexibilidade para proteger setores industriais. As faixas para os cortes tarifários agora são em três grupos, entre 19 e 26 (o maior era 23). Quanto maior é o coeficiente, menor é o corte, mas menor também é a flexibilidade.

Por uma opção, emergentes aceitando coeficiente entre 19 e 21 serão autorizados a proteger entre 12% e 14% de suas linhas tarifárias industriais (com corte menor), desde que não excedam entre 12% e 19% do valor das importações.

O Mercosul sempre defendeu flexibilidade maior para proteger setores sensíveis na área industrial e não estará descontente nesse aspecto, já que até recentemente Washington e Bruxelas sequer queriam tocar no assunto. Países em desenvolvimento que escolherem entre os coeficientes 21 e 23 poderão proteger 10% de suas linhas tarifárias, aplicando apenas metade dos cortes propostas pela fórmula geral. Ou podem isentar 5% de qualquer redução.

Finalmente, os emergentes preferindo coeficiente entre 23 e 26 renunciariam a qualquer flexibilidade especial para suas indústrias. É o que prefere o México, para não arbitrar quais setores proteger, e dar o mesmo corte para toda a indústria.

O documento inclui possibilidade de outras provisões especiais para os países em desenvolvimento. Os que participarem de negociações setoriais, para aumentar os cortes tarifários em determinadas áreas, como químicos, produtos elétricos e equipamentos industriais, ganham pontos adicionais, ou "crédito", para escolher um coeficiente maior - e portanto, menor corte sobre as tarifas em geral.

Os coeficientes 19 a 26 representam reduções variando de 55% e 63% nas tarifas consolidadas, no caso do Mercosul. O mediador também deixa para os ministros decidirem se a Venezuela deve receber tratamento de economia pequena e vulnerável, por ser dependente de uma só commodity, o petróleo. Pelas ameaças de Caracas de bloquear um acordo, a possibilidade deste pleito ser atendido é razoável.

Stephenson incorporou desta vez a possibilidade para os países ricos cortarem mais as suas tarifas industriais. A alíquota mais alta num país rico deveria ser de 7%. Os Estados Unidos já disseram que não aceitam esse percentual , em razão do problema politicamente sensível de seu setor têxtil.

"Todos os problemas políticos dos países emergentes foram cobertos, mas dizer que isso facilita entendimento é outra história", reagiu um tarimbado negociador ontem à noite.

No texto agrícola, o mediador Crawford Falconer traz poucas surpresas. Desta vez, deixa aberta a possibilidade de cortes de subsídios e de tarifas maiores do que nas propostas anteriores. Ele incluiu o método para calcular a expansão de cotas para produtos sensíveis, que foi negociada pelo Brasil, Estados Unidos, União Européia, Japão, Austrália e Índia.

Para a "caixa verde", que são os subsídios com menor distorção no comércio, o mediador copiou basicamente a proposta do G-20, o grupo liderado pelo Brasil. O texto, contudo, confirma a dificuldade sobre produtos especiais e salvaguarda para os emergentes, exigidos pela Índia, China, Indonésia e outros países, para frear importações agrícolas. O texto nesse ponto, porém, é mais claro para os ministros tomarem uma decisão.