Título: Suez leva Jirau com deságio de 22%
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 20/05/2008, Empresas, p. B1

Uma combinação de aceleração das obras com mudanças radicais no projeto de engenharia da usina é apontada como a chave que levou o consórcio liderado pela multinacional franco-belga Suez Energy a vencer ontem o leilão de Jirau, segunda das duas hidrelétricas do rio Madeira. A Suez, que se aliou à construtora Camargo Corrêa e às estatais Chesf e Eletrosul, fez um lance de R$ 71,40 por megawatt-hora (MWh) - deságio de 22% em relação ao preço inicial de R$ 91 o MWh - e liqüidou a disputa em apenas oito minutos.

A tarifa vencedora causou espanto em executivos da Odebrecht, que encabeçava o consórcio adversário e fez proposta de R$ 85,02 o MWh, e deixou o governo eufórico - não só por causa do deságio. Discretamente, autoridades do setor elétrico celebravam o fato de que as duas hidrelétricas do Madeira serão construídas por grupos diferentes, que agrupam as construtoras Odebrecht e Andrade Gutierrez de um lado e Camargo Corrêa de outro. O governo, via subsidiárias da Eletrobrás, está em ambos.

Para reduzir custos, a Suez alterou inclusive a localização das 44 turbinas que serão instaladas para gerar energia, num total de 3.300 MW de capacidade instalada. Em vez de optar pela cachoeira de Jirau, conforme previam os estudos originais, as obras terão como referência a cachoeira do Inferno, nove km mais distante da fronteira com a Bolívia. O rio Madeira é mais largo nesse ponto, o que diminui a necessidade de escavações, segundo Victor Paranhos, presidente do Consórcio Energia Sustentável do Brasil, com 50,1% de participação da Suez. O volume de rochas a serem retiradas cairá de 48,9 milhões de toneladas - montante previsto nos estudos da Odebrecht - para 5,3 milhões de toneladas.

"O projeto original de Odebrecht e Furnas para a usina não permitiria esse preço", disse Maurício Bahr, presidente da Suez Energy no Brasil. Sobre a queda nas ações da Tractebel, controlada do grupo no país, observou: "É um comportamento precipitado, pois não se conhece ainda detalhes do projeto".

Paranhos afirmou que as mudanças reduzirão os impactos na diversidade de peixes (icitiofauna) e tornarão mais improvável qualquer reflexo em território boliviano, apesar do aumento da área alagada em cerca de 10 quilômetros quadrados. Essas alterações no projeto de engenharia vão gerar uma economia de R$ 1 bilhão na construção da hidrelétrica, que havia sido orçada pela EPE em R$ 8,7 bilhões.

Paranhos acrescentou que também houve redução na projeção de custos devido a novas negociações com fornecedores. Como exemplo, citou o caso da empresa coreana Hyosung, que ofereceu à Suez subestações com preços 50% inferiores às concorrentes e ainda teria se comprometido a instalar uma fábrica no Brasil, para facilitar o fornecimento de máquinas.

O cronograma das obras foi fortemente acelerado. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) exige a entrada em funcionamento da usina em janeiro de 2013, mas o consórcio pretende iniciar as operações em março de 2012. Com isso, poderá aumentar seu fluxo de caixa, negociando toda a geração durante esse intervalo no mercado livre.

Em vez de usar os sete anos e meio a que tinha direito, a partir de hoje, o consórcio liderado pela Suez também antecipou a conclusão total da obra, agora prevista para o fim de 2013. Para seguir à risca esse calendário, ele diz que há necessidade de iniciar a construção neste ano.

Segundo ele, o grupo apresentará ao Ibama seus projetos básicos ambientais ainda neste mês e buscará uma licença de instalação - que se segue à licença prévia já concedida e autoriza o início das obras - dividida em duas etapas. A primeira, liberando a instalação dos canteiros e a criação de um novo distrito de Porto Velho, com 1.500 residências, deve ser obtida até agosto. A segunda, autorizando as obras no futuro reservatório, entre outubro e novembro - sempre conforme sua estimativa. "Ninguém quer atropelar o Ibama", observou o executivo, sem no entanto mandar um recado: "Não temos tempo a perder. Estamos com uma empresa pronta e capitalizada para começar amanhã (a obra)".

O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, cobrou empenho dos órgãos ambientais e disse que a licença de instalação está sendo discutida diretamente pelo Palácio do Planalto. Lobão classificou a ex-ministra Marina Silva como "bastante exigente" e emendou: "É bom ser exigente, mas com rapidez". Para o ministro, o deságio no leilão de Jirau reflete o "momento especial" da economia brasileira e indica uma competição "ainda mais acirrada" na disputa por Belo Monte, usina no rio Xingu (PA), com capacidade de 11.182 MW, que deverá ser licitada no ano que vem.

Paranhos admitiu a hipótese de conversar com o BNDESPar e com fundos de pensão para a entrada deles como sócios, mas destacou que nada está definido. Ressaltou ainda que o consórcio pretende lançar ações em bolsa no futuro, embora tenha deixado claro que isso ocorrerá apenas depois de 2012 ou de 2013, quando a usina estiver em plena operação. "Abertura de capital de uma obra desse porte só pode acontecer quando já houver uma série de mitigações de riscos."

Ao ser divulgada a tarifa vencedora, um alto executivo da Odebrecht manifestou contrariedade. "Isso dá uma taxa de retorno de 7%, no máximo. Com esse preço, não dá para ficar arrependido de sair daqui derrotado", comentou com assessores e advogados do grupo.