Título: Dívida volta a subir e supera US$ 200 bi
Autor: Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 19/05/2008, Finanças, p. C1
A dívida externa brasileira retomou trajetória de alta no primeiro trimestre, voltando ao patamar de US$ 200 bilhões, que não era atingido desde 2005. Analistas econômicos prevêem que o débito seguirá em expansão, puxado por captações de empresas privadas.
Em março, a dívida externa total chegou a US$ 202,633 bilhões, o que representa uma alta de US$ 9,414 bilhões em relação aos US$ 193,219 bilhões observados em dezembro de 2007. No trimestre imediatamente anterior, a crise do mercado imobiliário americano havia desestimulado captações, provocando uma queda de US$ 2,112 bilhões na dívida.
O aumento do endividamento neste início do ano é explicado, em parte, pelo déficit em conta corrente ocorrido no período, de US$ 10,757 bilhões. Mas o principal fator é a alta taxa de investimento das empresas dentro e fora do país, que têm usado as captações internacionais como mais uma forma de financiamento, ao lado da emissão de ações e dos empréstimos domésticos.
"A economia vive uma mudança estrutural, com forte alta na taxa de investimento", afirma o economista Antônio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP. "As captações internacionais são uma opção importante de financiamento, sobretudo para as empresas que têm receitas em dólares, como as exportadoras." Lacerda avalia que a tendência de endividamento chegou para ficar. "Tudo indica que as empresas continuarão investindo", afirma. "Elas conseguiram captar neste início de ano, apesar da forte volatilidade no mercado internacional." A agência de classificação de risco Standard & Poor's disse, no relatório em que concedeu grau de investimento ao Brasil, que espera um moderado aumento da dívida nos próximos anos, em virtude da volta dos déficits em conta corrente.
No primeiro trimestre, uma parte considerável da alta do endividamento esteve ligada ao déficit em conta corrente. Os financiamentos a importações cresceram US$ 3,472 bilhões no período, respondendo por algo como um terço do aumento da dívida externa. As captações privadas chegaram a US$ 4,680 bilhões no primeiro trimestre, correspondendo a 246% dos vencimentos no período. Cerca de dois terços das captações foram feitas por meio de venda de papéis e um terço por empréstimos diretos. Os financiamentos a exportação aumentaram US$ 2,541 bilhões.
Nos últimos quarenta anos, o Brasil viveu outros dois ciclos de expansão do endividamento, mas com características diferentes. Nos anos 1970, o aumento da dívida externa foi puxada pelo setor público. Depois da renegociação da dívida externa, concluída em 1994, emissões de títulos do setor público e privado expandiram o débito de novo. Uma diferença importante do ciclo atual é que ele é produzido apenas pelo setor privado. O setor público segue reduzindo seu débito. No primeiro trimestre, a dívida externa do setor público encolheu US$ 811 milhões, chegando a US$ 68,549 bilhões em março, bem abaixo dos US$ 117,692 bilhões observados em 2003. O Tesouro vem reduzindo sua dívida externa, seja pela amortização nos vencimentos ou pelo resgate antecipado de papéis. Estão sendo feitas algumas emissões apenas para melhorar a curva de juros do Tesouro.
Na direção inversa, a dívida privada cresceu US$ 10,151 bilhões no primeiro trimestre, chegando a US$ 133,120 bilhões, incluindo débitos de curto, médio e longo prazos. Nos anos seguintes à flutuação do câmbio, em 1999, as empresas haviam reduzido o endividamento, que caiu a US$ 81,883 bilhões em 2005. Os ciclos anteriores de endividamento terminaram em crises. Nos anos 1980, o governo decretou moratória e, no fins dos anos 1990, empresas privadas endividadas em dólar enfrentaram dificuldades. Hoje, diz Lacerda, há algumas diferenças fundamentais: o crescimento da dívida mostra-se mais moderado; o câmbio é flutuante, estimulando as empresas a medirem melhor os riscos que estão correndo nas suas captações; e o Banco Central tem US$ 197,209 bilhões em reservas internacionais, que podem ser usados para suavizar movimentos do câmbio.
No atual ciclo de endividamento, chama a atenção o fato de que, apesar de a dívida externa bruta estar aumentando, a dívida liquida continua em queda. Em março, o Brasil era credor líquido externo em US$ 15,092 bilhões, numa conta em que as reservas e créditos brasileiros no exterior são abatidos da dívida externa. É possível que, mesmo com déficits em conta corrente e com alta de endividamento, o país continue a ampliar a sua posição credora internacional.
Os investimentos estrangeiros diretos, que somaram US$ 36,819 bilhões nos 12 meses encerrados em março, são uma fonte importante de recursos que, por enquanto, ainda permite cobrir com folga o déficit em conta corrente, projetado pelos analistas do mercado para US$ 19,8 bilhões em 2008.