Título: Brasil busca reduzir vácuo tecnológico
Autor: Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 19/05/2008, Tecnologia & Telecomunicações, p. B3

Leo Pinheiro/Valor Sérgio Rezende, ministro da Ciência e Tecnologia: "Falar de uma fábrica de um US$ 1 bilhão no Brasil há algum tempo atrás era um delírio. Hoje, não é. Há inúmeros investimentos dessa magnitude em vários setores da economia" Depois de perder, por causa da reserva de mercado criada nos anos 80, o bonde da história no setor de microeletrônica, o Brasil se prepara, sem fazer alarde, para tentar, com duas décadas de atraso, fazer parte do jogo. Governo federal, universidades e setor privado estão se movimentando para mudar a história do setor. Os primeiros resultados, ainda modestos se comparados ao que acontece em países de ponta nessa área, já começaram a aparecer.

Há dois anos, a canadense Smart Technologies começou a produzir, em Atibaia (SP), memórias para computador. Até o fim do ano, o Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), com sede em Porto Alegre e ligado ao governo federal, vai fabricar seu primeiro protótipo de circuito integrado com finalidade comercial. A Positivo, empresa que nasceu em 1972 como um curso pré-vestibular em Curitiba e hoje é a maior fabricante nacional de computadores, decidiu iniciar produção própria de componentes eletrônicos - a idéia é começar pelo segmento de placas-mães para computadores.

Em mais um sinal de que algo novo pode estar acontecendo nessa área, amanhã e depois, em Brasília, executivos de gigantes mundiais de tecnologia, como IBM, Intel, Texas Instruments, AMD, Motorola e Samsung, discutirão oportunidades de investimento no país, durante seminário promovido por três ministérios e pela empresa americana Cadence Design Systems, líder na fabricação de softwares utilizados em projetos de desenvolvimento de circuitos integrados (CI). Para prestigiar o evento e mostrar o interesse do governo no setor, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva receberá os participantes, em audiência no Palácio do Planalto, ao fim do encontro, na quarta-feira.

Há pelo menos um dado econômico motivando o governo a estimular investimentos em tecnologia eletrônica: o país importou, em 2007, cerca de US$ 10 bilhões em produtos eletrônicos, dos quais, US$ 6,3 bilhões em componentes (ver quadro). As importações são crescentes. Há 12 anos, o país comprava anualmente o equivalente a US$ 2,2 bilhões em componentes. Nos últimos cinco anos, com a retomada do crescimento econômico em bases sustentadas e a taxas mais elevadas que a média das duas décadas anteriores, as importações desses produtos cresceram 155%.

Os itens mais adquiridos do exterior são os circuitos integrados, que no ano passado responderam por pouco menos da metade do total importado. As compras estão se acelerando também no caso dos dispositivos de cristal líquido ("displays"). A razão, nesse caso, é que o consumidor brasileiro está optando cada vez mais por aparelhos de televisão com tecnologia de LCD e plasma - as antigas fábricas de tubos de imagem estão fechando as portas no país.

O foco da tentativa de "subir no bonde", como diz o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, é a fabricação de CI. Nos anos 80, quando o governo criou a reserva de mercado para o setor de informática, o Brasil chegou a ter 13 fabricantes nacionais. Com a abertura da economia nos anos 90 e a incapacidade fiscal do governo de continuar subsidiando o setor, as fábricas, atrasadas tecnologicamente, foram sendo desativadas uma a uma. Das 13 empresas, apenas duas sobreviveram - a Asga Microeletrônica e a Aegis Semicondutores.

O mercado mundial de circuitos integrados movimentou US$ 240 bilhões em 2007. A aplicação dos produtos é liderada pelo setor de informática, que responde por 40% da demanda de circuitos, seguido das indústrias de telecomunicação (24%), consumo (aparelhos eletroeletrônicos, com 18% do total), automóveis (7%) e outros (11%). Todos os setores mencionados estão crescendo de forma acelerada no Brasil, que ainda representa, no entanto, apenas 1,25% do mercado internacional de CI.

O ministro Sérgio Rezende cita o impacto das importações de equipamentos e componentes eletrônicos como uma boa razão para o Brasil investir nesse setor, mas ele chama atenção para outro aspecto. Na sua opinião, um país de quase 200 milhões de habitantes e detentor de um razoável desenvolvimento científico não pode ficar à margem do desenvolvimento tecnológico de um setor de ponta como o eletrônico.

Nos anos 90, já sentindo os efeitos da reserva de mercado, o país sofreu um golpe duro quando a Intel, ao escolher a sede de sua fábrica de microprocessadores, optou pela Costa Rica em detrimento do Brasil, que, ao lado de outros cinco países, disputava o investimento. Desde então, as autoridades passaram a refutar a idéia de se investir em microeletrônica. Mesmo no governo Lula, apesar das iniciativas que o governo vem adotando desde 2003, há quem não acredite nas possibilidades do país nessa área. Uma das razões para a descrença está no fato de essa indústria ser intensiva em tecnologia e capital, mercadorias supostamente escassas no Brasil. Disseminou-se, então, a idéia de que o país poderia sair do atoleiro tecnológico investindo apenas na produção de softwares.

"Falar de uma fábrica de um US$ 1 bilhão no Brasil há algum tempo atrás era um delírio. Hoje, não é. Há inúmeros investimentos dessa magnitude em vários setores da economia", observou Rezende em entrevista ao Valor. "Não se perde o bonde da história porque, se o país tem capacitação científica, precisa ter uma política para desenvolvê-la. Para fazer um projeto de CI, é necessário ter formação técnica e criatividade. O Brasil possui ambos. E, agora, tem demanda também", acrescentou ele, lembrando que a Coréia, hoje uma potência tecnológica, começou a investir pesado no setor no fim dos anos 70.

Rezende explicou que não se trata mais de o país correr atrás da produção de componentes que, de uso tão disseminado, como os microprocessadores, são considerados "commodities" da indústria eletrônica. "Cada vez mais os circuitos integrados são 'customizados' de acordo com o equipamento produzido. O Brasil perdeu o bonde das 'commodities', mas existe um outro grande mercado que é o de circuitos para atender demandas específicas", assinalou.

Por causa do vácuo tecnológico das últimas décadas, o Brasil só domina duas (a primeira e a segunda) das cinco etapas de produção de CI - concepção, projeto, fabricação ("front end"), encapsulamento e teste ("back end") e serviço ao cliente. A partir desse diagnóstico, em 2003, quando presidia a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), uma agência de fomento do ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), Sérgio Rezende lançou edital de cooperação entre universidades e empresas para a formulação de projetos de CI voltados para a demanda do setor privado.

Nos últimos cinco anos, o governo tomou cerca de 30 iniciativas para formar pessoal, criar centros tecnológicos de excelência, conceder incentivos fiscais, desonerar o setor e atrair investidores estrangeiros.

As dificuldades são muitas. Por causa da quase-paralisia econômica do país em mais de 20 anos, os cursos de engenharia perderam atratividade. Recentemente, as empresas voltaram a demandar engenheiros, evidenciando a carência desses profissionais no mercado.

O setor de tecnologia eletrônica não fica de fora. O MCT estima, por exemplo, que existam apenas 400 projetistas de circuitos integrados no país. A meta é formar 1.500 até 2010. O projetista é um profissional altamente qualificado. Além da formação em engenheira eletrônica ou num curso equivalente, ele é submetido a cursos específicos - e escassos - de especialização. O governo está estimulando a especialização por meio da criação de "design-houses", isto é, centros especializados na formulação (ou desenho) de projetos de CI.

De 2002 para cá, foram criados sete desses centros. O Ceitec, a grande aposta de Rezende no setor de microeletrônica, começou como uma "design-house" - as outras seis estão em Pernambuco (Cesar e Cetene), São Paulo (Cenpra, LSI-TEC, da USP, e o Centro de Pesquisas Avançadas Werner von Braun) e no Amazonas (CT-PIM). O plano, agora, é apoiar a instalação de mais oito centros do gênero, com o fornecimento de computadores e softwares, além de recursos do MCT.

A estratégia de Rezende é aproximar os projetistas das necessidades do setor privado. Nos primeiros anos de funcionamento dos "design-houses", havia uma dificuldade para as empresas comprarem projetos de CI desses centros. O software utilizado na formulação dos projetos, que o governo comprou e distribuiu, não permitia a aplicação comercial dos produtos desenvolvidos pelos projetistas.

Há dois anos, o governo promoveu licitação internacional, ao custo de aproximadamente R$ 10 milhões, para comprar softwares - bem mais caros que os de destinação acadêmica - que autorizassem a exploração comercial dos projetos de CI. Só há três empresas no mundo que fazem softwares utilizados na criação de projetos de CI - duas americanas e uma européia.

A Cadence, que organizou junto com o governo o Fórum de Executivos em Circuitos Integrados, ganhou a licitação. Há uma razão pragmática que explica o interesse da companhia americana no desenvolvimento tecnológico brasileiro. Pelo contrato assinado com o governo, todos os produtos de CI criados a partir da utilização do software da Cadence pagarão uma pequena participação, a título de propriedade intelectual, àquela empresa.

O ministro Sérgio Rezende está otimista com as perspectivas do setor eletrônico. Ele lembra que o trabalho de revigoramento está apenas no início, mas destaca o fato de que, com pouco dinheiro, é possível avançar muito. Contabilizando a criação do Ceitec, que custou até agora R$ 239 milhões aos cofres públicos, e as outras iniciativas específicas adotadas para estimular essa indústria, o governo desembolsou cerca de R$ 400 milhões entre 2002 e 2008. É quase a metade, diz ele, do que seria gasto na instalação de uma fábrica de semicondutores. "Faltam recursos humanos, mas não recursos financeiros", assegura o ministro.