Título: Caracas volta a atrair hotelaria após anos sem novos projetos
Autor: Campassi, Roberta
Fonte: Valor Econômico, 19/05/2008, Empresas, p. B4

Caracas não tem o charme de Buenos Aires, a atmosfera cosmopolita de São Paulo ou mesmo a beleza caribenha das praias da Venezuela. É enervante pela extensão dos congestionamentos e agradável pela quantidade de verde. Mas a capital venezuelana, embora não tenha muitos atrativos turísticos, é um centro de negócios - especialmente em torno do petróleo -, suficiente para gerar um intenso tráfego de viajantes e atrair as redes hoteleiras.

A relação entre a demanda de hóspedes e a oferta de quartos em hotéis caraquenhos animou o grupo português Pestana a estudar um primeiro investimento na Venezuela, em 2006. Com seis milhões de habitantes, Caracas possui menos de dez hotéis administrados por grandes redes hoteleiras, enquanto uma cidade como São Paulo, com 11 milhões de pessoas, contabiliza mais de uma centena deles.

Na semana passada, após menos de dois anos de obras e investimentos próprios de US$ 20 milhões, o Pestana inaugurou um hotel de cinco estrelas em Caracas com a perspectiva de que ele obtenha uma das maiores receitas por apartamento da rede, formada por 86 hotéis em três continentes - a diária média do empreendimento venezuelano é de aproximadamente 800 bolívares fortes, ou cerca de US$ 360, conforme o câmbio oficial. Em São Paulo, a diária mais cara do Pestana custa em torno de R$ 540, ou US$ 327.

O grupo português não é o único interessado no mercado de Caracas. A rede americana Marriott, que já administra um hotel na cidade com uma bandeira de mesmo nome, planeja abrir o segundo empreendimento na capital, embora ainda não divulgue detalhes. "A rede tem muito interesse em investir no país", afirmou o Marriott por meio de sua assessoria de imprensa. Há pelo menos mais um outro hotel já em construção na capital venezuelana, em frente ao aeroporto internacional de Maiquetía, cujo administrador ainda não está definido.

Não são poucos sinais para a indústria turística de uma cidade em que a última inauguração de um hotel de alto padrão ocorreu há cerca de sete anos, com a chegada da própria Marriott. Para muitos, a inexistência de novos projetos nos últimos anos reflete o receio de investidores em relação ao governo de Hugo Chávez, marcado por políticas de nacionalização de ativos, congelamento de preços e tentativas de realizar uma ampla reforma constitucional que levaria ao que o presidente venezuelano denomina de "socialismo do século XXI". "A falta de novos projetos na Venezuela é uma conseqüência direta da incerteza sobre as condições do país", afirma Diogo Canteras, da consultoria hoteleira internacional HVS. "Hotéis são investimentos de longo prazo, que requerem segurança econômica e política."

A hotelaria não fugiu totalmente à política de nacionalização. Em setembro do ano passado, a cadeia americana Hilton deixou o hotel que administrava há 37 anos, depois que o contrato de aluguel do prédio expirou e não foi renovado por parte do governo - o imóvel pertence ao centro Simón Bolívar, administrado pelo ministério de infra-estrutura do país. O hotel foi rebatizado como Alba e hoje, além de receber clientes comuns, hospeda com freqüência funcionários públicos, facilmente identificáveis por trajarem coletes vermelhos. Procurado pelo Valor, o Hilton foi sucinto e explicou que o término do contrato "foi uma decisão tomada unicamente pelo dono da propriedade". A rede americana ainda mantém o hotel Embassy Suites, em Caracas, e o Hilton de Isla Margarita, a leste da capital.

A julgar pelos discursos de governo, porém, o caso do Hilton que se transformou em Alba é uma exceção. Em cerimônia para a abertura oficial do hotel Pestana, no bairro nobre de Sucre, a ministra do turismo da Venezuela, Olga Cecilia Azuaje, disse que o "país está aberto para investimentos e empresas estrangeiras". "A inauguração deste hotel desmistifica o que se fala sobre a Venezuela, que o país não é um bom lugar para se investir", completou.

Mais cedo, o presidente do grupo Pestana, Dionísio Pestana, afirmou que a companhia não tinha receio algum de realizar investimentos em Caracas. "A nacionalização é uma preocupação que não temos", disse. José Castelão, um dos administradores da rede portuguesa, afirmou que o investimento da empresa foi ajudado por financiamentos locais e taxas de juros atraentes. Na Venezuela, os bancos são obrigados a oferecer pelo menos 3% de sua carteira de crédito para empresas de turismo.

Ao que tudo indica, as boas relações entre Portugal e Venezuela garantirão demanda e tranqüilidade ao Pestana. Em visita a Caracas, o primeiro ministro português, José Sócrates, tratou de fortalecer as relações com Hugo Chávez. Na terça-feira passada, os dois dirigentes firmaram 14 convênios entre seus países, sendo que um deles prevê que a Venezuela envie, até o fim do ano, 30 mil barris de petróleo por dia para Portugal em troca do fornecimento de alimentos, mercadorias e serviços. Sócrates foi acompanhado de dezenas de empresários portugueses e, durante discurso para inauguração do hotel Pestana, repetiu três vezes que Portugal tem "confiança" na Venezuela.

A repórter viajou a convite do Pestana e da Varig