Título: GP quer Magnesita na liderança mundial
Autor: Adachi, Vanessa
Fonte: Valor Econômico, 19/05/2008, Empresas, p. B7

Em seus 68 anos de existência, a fabricante mineira de material refratário Magnesita nunca fez um orçamento anual. Um ano atrás, oito em cada dez compras de material da empresa eram feitas em regime de urgência, sem qualquer programação. Já as vendas eram realizadas sem contratos. Mais de 20 empresas integravam o grupo, todas com a estrutura administrativa replicada e contabilidade própria, cujos números nunca coincidiam. O pessoal da fábrica de Contagem, na grande Belo Horizonte, tinha um índice de faltas elevadíssimo e não era raro ver operários vagando desocupados em horário de trabalho.

Tudo isso começou a virar passado desde que a GP Investimentos assumiu o controle da empresa em agosto do ano passado, ao pagar R$ 1,2 bilhão à tradicional família mineira Pentagna Guimarães, que fundou a companhia em 1940. A empresa, que produz 580 mil toneladas de refratários por ano e detém cerca de 80% do mercado no país e na América Latina, nasceu a partir da descoberta de generosos depósitos de magnesita em Brumada, na Bahia.

O que atraiu a GP foi justamente a oportunidade de implementar um amplo choque de gestão, algo que a gestora de fundos de private equity considera seu maior trunfo para gerar valor para seus investimentos. Mas não foi só.

Embora soe obscuro, o produto da Magnesita é altamente estratégico. Sem minério de ferro não se faz aço. Sem material refratário também não se faz. Toda a fase quente da linha de produção das siderúrgicas (fornos, altos-fornos e aciarias) tem de ser revestida de refratários. Num momento em que a siderurgia mundial vive seu pico histórico, controlar a Magnesita pode significar ganhar dinheiro, muito dinheiro. Os refratários são imprescindíveis ainda para cimenteiras e fábricas de vidro.

"Nossa meta é transformar a Magnesita na maior fabricante de refratários do mundo", diz o mineiro Ronaldo Iabrudi, recostado em uma cadeira de madeira maciça, assento de couro e espaldar alto, herança ainda do mobiliário dos tempos mais conservadores.

Iabrudi assumiu a presidência da empresa depois de uma relutância inicial. Ele esquiava com a família no Chile, em junho do ano passado, quando recebeu um telefonema de Fersen Lambranho, sócio e presidente da GP, informando sobre as negociações e fazendo uma sondagem inicial para o cargo. "Disse a ele que o negócio era sensacional e que poderia ajudar, mas que estava fora. Tinha decidido atuar em conselhos", lembra ele, que foi presidente da Telemar e da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA).

Depois, repensou e não resistiu ao desafio - e à chance de embolsar dezenas de milhões em bônus e opções de ações, claro. "A família Pentagna Guimarães vendeu a empresa por dez vezes o lajida, mas deixou para trás outros dez em ineficiências", resume Iabrudi. O lajida é o resultado antes das despesas com juros, impostos, depreciação e amortização e um indicador amplamente utilizado como referência de valor para empresas.

Para os Pentagna Guimarães, a decisão de vender foi sofrida, porque havia apego à empresa. "Mas já não tínhamos mercado a conquistar no Brasil e sabíamos que teríamos que sair e nos globalizar", diz Hélio Pentagna Guimarães Neto, bisneto do fundador Antonio Mourão e filho de Eduardo Guimarães, que presidia a companhia até agosto. A família, conta, não tinha dinheiro para investir. "Todo nosso patrimônio estava na Magnesita." E endividar a companhia era algo arrojado demais para esses mineiros. "Tínhamos medo de tomar R$ 50 milhões emprestado, imagina R$ 700 milhões." O jeito foi buscar um comprador que pudesse extrair da empresa o seu potencial.

Levar a Magnesita ao topo, como quer a GP, significa chegar a um faturamento anual de ? 2 bilhões de euros - a líder atual, a austríaca RHI, fatura ? 1,8 bilhão de euros e a Magnesita, um terço disso. Iabrudi e seu time acham muito factível atingir o objetivo.

Além da profunda reestruturação de gestão, com o receituário padrão da GP - corte dramático de custos, definição de metas e agressivo sistema de remuneração variável com base nos resultados para engajar a equipe - os executivos começaram a repensar a empresa estrategicamente.

O plano é colar nos clientes e segui-los onde quer que se estabeleçam, aqui ou fora. "Um dos problemas da Magnesita é estar geograficamente longe dos clientes ", diz o presidente. As unidades principais estão na grande Belo Horizonte, mas os clientes se espalham pelo país. A Magnesita já fechou, por exemplo, o fornecimento de 50% dos refratários da nova siderúrgica que a ThyssenKrupp está erguendo no Rio de Janeiro. Já estão definidas as construções de uma pequena fábrica no Ceará, que receberá novos projetos siderúrgicos, e outra fábrica no Rio Grande do Sul para atender a Gerdau. O Grupo Gerdau diz que a nova administração da Magnesita se propôs a ser mais ágil para acompanhar o seu crescimento e que está trabalhando em conjunto com o grupo nas unidades da América Latina e também da América do Norte.

A internacionalização da produção é urgente. "A companhia tem sido chamada pelos clientes para acompanhá-los em seus projetos no exterior", diz Iabrudi. No radar está a aquisição de uma fábrica na Colômbia ou na Venezuela para atender o norte da América Latina e o Caribe. Mas o principal passo deve ser a compra de uma grande fabricante que atue nos Estados Unidos e na Europa.

"Já estamos olhando", diz Iabrudi. Os EUA consomem o dobro de refratários que o Brasil. O garimpo de empresas com sinergia está a cargo do diretor financeiro Maurício Lustosa de Castro, que acumulou experiência ao fazer aquisições no Brasil para a antiga Arcelor. Ele já tem duas empresas engatilhadas.

A compra da pequena Insider por R$ 55 milhões no fim de abril já obedeceu à nova lógica da proximidade geográfica, explica Castro. A empresa, com capacidade de produção de 8,6 mil toneladas por ano, está encravada no chamado Vale do Aço mineiro, ao lado de Acesita, Usiminas e da antiga Belgo-Mineira (hoje ArcelorMittal).

Nem tudo carecia de uma virada na Magnesita. Além de acesso privilegiado à magnesita extraída de sua mina própria na Bahia , algo valiosíssimo em tempos de escassez de commodities, a empresa possui um modelo de negócios que surpreendeu a GP por seu arrojo. "A Magnesita tinha um modelo de negócios brilhante em um setor que não se modernizou", diz Iabrudi.

Em vez de simplesmente vender seus tijolos e peças refratárias às indústrias de aço, cimento e vidro, a Magnesita vai bem além. Ela entra na fábrica do cliente e ajuda a desenvolver o processo produtivo, a pensar em como produzir mais consumindo menos insumos, inclusive material refratário. Pode se dar ao luxo de reduzir a demanda por seus produtos porque sua receita está atrelada à produtividade do cliente. Em algumas empresas, a área de refratários do cliente é totalmente gerenciada pelo pessoal da Magnesita. "Dentro da CST temos 1100 pessoas", diz Maurício Castro. "A Magnesita tem uma inteligência profunda sobre o negócio do cliente, a sua atividade passou a ser processos." Ronaldo Iabrudi costuma dizer que a Magnesita foi a única companhia que conheceu que é totalmente focada no cliente. "É extraordinário, mas chegam ao ponto de ter dó de aumentar os preços."

Isso certamente vai mudar sob o comando da turma enviada pela GP, altamente focada em resultados. Desde que assumiram, por exemplo, já demitiram 800 dos 7200 funcionários, principalmente na área administrativa. Mas até gente ligada à produção e à mina, que serão expandidas, também tem deixado a empresa. "Demitimos antes de crescer porque é uma oportunidade de oxigenar a empresa", diz Eduardo Lobo, diretor de recursos humanos e administração, que tocou a reestruturação da área de pessoal da elétrica Cemar, adquirida pela GP em 2004 e agora já fora de seu portfólio. "Depois trazemos a meninada cheia de gás", completa ele, deixando bem clara a filosofia da casa.

Hélio Pentagna Guimarães Neto diz que a família se assustou ao tomar conhecimento da dimensão dos cortes promovidos pelos novos donos. "Sabíamos que teria de ser feito, mas o número assusta. Ficamos na torcida porque temos muito carinho pela empresa."

Lobo encontrou uma empresa com baixo índice de renovação dos quadros, pouca oportunidade de ascensão profissional e baixa produtividade. Agora há metas até para o chão da fábrica - ainda hoje, a programação das linhas de produção muda 2900 vezes em um único mês, um pesadelo. "Queremos combater a cultura da não-consequência." O sistema de remuneração variável já está valendo. Um gerente, por exemplo, que recebe cerca de R$ 10 mil por mês, poderá ganhar até dez salários por ano em bônus. No ano passado, a participação nos lucros para qualquer um da empresa foi de pouco mais de R$ 1 mil.

O novo sistema é o que Maurício Castro, o financeiro, gosta de chamar de "a fúria". "O pessoal da minha equipe é obcecado por resultados. É uma paranóia mesmo, mas a gente é feliz", diz ele, com evidente euforia. Como diretor financeiro, Castro tem comandado o corte de custos. "Em três meses do ano passado fizemos uma redução forte de custos para pegar o impacto do ano cheio em 2008."

Os efeitos já começaram a aparecer nos resultados do primeiro trimestre, com queda nas despesas comerciais e administrativas (ver quadro). O total de despesas operacionais caiu 16% ante o primeiro trimestre de 2007 (excluída amortização de ágio). A geração de caixa (lajida) subiu e levou a margem sobre a receita líquida a confortáveis 29%. Só o lucro não apareceu, por causa da amortização do ágio da compra. "Fizemos um enorme esforço, mas por enquanto só foi o grosso", diz Castro, indicando que mais ainda está por vir.

Quando comprou a Magnesita em agosto, a empresa tinha um valor de mercado de R$ 2 bilhões. Na sexta-feira, a nova empresa, reestruturada e no Novo Mercado, valia quase o dobro: R$ 3,9 bilhões.