Título: Mantega admite controlar capital
Autor: Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 19/02/2011, Economia, p. 16

Na reunião do G-20, em Paris, ministro reforça discurso contra entrada maciça de dólares

Assim como os representantes de outras equipes econômicas, o ministro brasileiro da Fazenda, Guido Mantega, chegou ao primeiro encontro do G-20 (grupo das 19 maiores economias do mundo e a União Europeia) do ano, iniciado ontem em Paris, com o discurso do protecionismo unilateral na ponta da língua. Ele afirmou que o país adotará controles de capitais se for necessário e defendeu a liberdade dos demais países ¿ especialmente os em desenvolvimento ¿ de tomar as medidas que considerem necessárias para conter o intenso fluxo de recursos que abandona os mercados desenvolvidos em direção aos emergentes.

¿Se houver um grande fluxo, então nós teremos que adotar novas medidas¿, reforçou Mantega. A expectativa do ministro é que o avanço da migração de capitais continue em 2011, após ter crescido cerca de 50% no ano passado. As afirmações vão ao encontro das posições acertadas entre os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) em uma reunião prévia à cúpula, realizada ontem com a participação da África do Sul. Os cinco países foram contrários ao estabelecimento de regras que limitem o poder dos governos de controlar capitais. Os emergentes são os que mais sofrem com a entrada maciça de dólares, que valoriza suas moedas e prejudica suas exportações.

Mantega evitou especular sobre que medida seria tomada. No leque de opções, estão a obrigação de o dinheiro permanecer um tempo no Brasil antes de sair (quarentena) ou a elevação dos tributos, por exemplo. Para o economista-chefe do BES Investment Bank, Jankiel Santos, a declaração do ministro foi um recado contra a expansão monetária feita por alguns países, principalmente os Estados Unidos. ¿Em outras palavras, ele quis dizer que, se os desenvolvidos não fizerem sua parte, o Brasil vai barrar o capital externo. No fundo, como todos os outros, o ministro está defendendo o nosso lado¿, avaliou.

Como esperado, o ministro também se declarou contrário à proposta de regulamentação dos valores das commodities (produtos básicos com cotação internacional), levantada pela França. Para Mantega, a implantação de um estoque internacional é uma ideia de difícil execução. ¿Quem é que iria administrar isso em escala internacional?¿, questionou. Ao mesmo tempo, afirmou ser favorável ao aumento da transparência no mercado futuro desses itens. A disparada dos custos agrícolas favorece o Brasil, que está entre os maiores exportadores de matérias-primas do mundo, mas pressiona a inflação doméstica, uma vez que a formação de preços é feita fora do país.

Para o analista Jason Vieira, da corretora Cruzeiro do Sul, esse é um paradoxo que o país precisa enfrentar. ¿O Brasil defende preços altos porque isso ajuda as exportações. Mas, ao mesmo tempo, sofre com o processo inflacionário, que é cruel¿, ponderou. Atualmente, os produtos básicos são os que mais puxam as vendas externas, com alta de 35,5% nas duas primeiras semanas de fevereiro.

Bernanke reage O presidente do Federal Reserve (Fed, o Banco Central norte-americano), Ben Bernanke, saiu em defesa das políticas de estímulo monetário nos países desenvolvidos, como os Estados Unidos, que estão derramando trilhões de dólares no mercado para recuperar o nível de atividade. Ele rebateu as queixas de que a medida prejudica as nações emergentes, fortalecendo suas moedas e superaquecendo suas economias. Aproveitou ainda para atacar indiretamente a manutenção artificial do câmbio chinês ao afirmar que outros fatores, a exemplo da rigidez das taxas, também são fontes de desequilíbrio.

Bernanke fez as afirmações em uma das reuniões prévias do G-20 (grupo das 19 maiores economias do mundo e a União Europeia), ontem em Paris. Apesar de dizer que não se pode culpar a expansão monetária nos países ricos pelos problemas nos emergentes, ele admitiu que o excesso de recursos tem criado dificuldades à economia mundial. ¿Os fluxos estão novamente impondo desafios notáveis à estabilidade macroeconômica e financeira internacional¿, disse.

Ao lembrar que o progresso das nações em desenvolvimento atrai investimentos, Bernanke tentou aliviar as críticas aos desenvolvidos. Para ele, os emergentes têm à disposição ferramentas para impedir o superaquecimento. Apesar dos recados direcionados aos demais participantes do fórum, Bernanke reconheceu falhas dos Estados Unidos. ¿Países com deficits comerciais elevados precisam economizar mais e colocar a situação fiscal em ordem¿, disse. (GC)

Reserva externa livre A China fechou posição com os demais Brics (Brasil, Rússia e Índia) e com a África do Sul para barrar as propostas de limitação de reservas internacionais, feitas no primeiro dia de reuniões do G-20 (grupo das 19 maiores economias e a União Europeia). O ministro de Finanças da China, Xie Xuren, afirmou que o acúmulo dessa poupança externa é necessário para evitar desequilíbrios internos nos países em desenvolvimento, resultantes de turbulências.

¿Para combater as crises financeiras e os choques econômicos, os mercados emergentes precisam ter uma certa quantidade de reservas¿, afirmou. O ministro brasileiro da Fazenda, Guido Mantega, apoiou as declarações de Xuren. Para ele, enquanto o sistema financeiro internacional não for seguro, os países em desenvolvimento devem continuar acumulando divisas. ¿Se houver uma crise, quem irá nos socorrer?¿, questionou.

O governo chinês também se mostrou contrário à utilização das reservas e da taxa de câmbio real como parâmetros para medir a saúde fiscal dos membros do G-20. ¿Não achamos apropriado usar taxas de câmbio e reservas reais¿, reforçou. A manutenção artificial do valor do iuan (moeda chinesa) é apontada como uma das principais fontes de desequilíbrio no mundo. A China preserva a divisa desvalorizada para dar mais competitividade a seus produtos no comércio internacional.

Também para atender interesses locais, o Banco Central chinês anunciou ontem que vai elevar, pela segunda vez no ano e oitava desde o início de 2010, o compulsório. O recolhimento de recursos que os bancos devem fazer ao BC subiu 0,5 ponto percentual. A medida é mais uma tentativa de controlar a inflação, que, em 12 meses, ficou em 4,9%.

A alta dos preços dos alimentos tem prejudicado principalmente os mais pobres, o que insufla inquietação social. O compulsório ficará em 19,5% dos depósitos bancários, nível recorde. Nos últimos quatro meses, o BC chinês já elevou os juros três vezes e chegou a fazer um apelo aos bancos para que concedam menos empréstimos. (GC)