Título: K/F investe na formação de lideranças
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 19/05/2008, Carreira, p. D12

Marisa Cauduro/Valor Gary Burnison, CEO da Korn/Ferry, diz que as perspectivas de crescimento da companhia estão fora dos EUA. "Este é o lugar para se investir nos próximos dez anos" Com 33 anos de atividade no país, o escritório brasileiro Korn/Ferry International, maior empresa de recrutamentos no alto escalão do mundo, nunca tinha recebido a visita de seu principal executivo. A passagem esta semana do CEO Gary Burnison, 47 anos, mostra que as coisas estão mudando. O Brasil hoje faz parte dos planos estratégicos da empresa. O crescimento de 50% dos negócios na América Latina no ano passado, puxado pelo Brasil, aumentou o apetite da companhia pela região. "Este é o lugar para se investir nos próximos dez anos", diz Burnison.

A transferência de riqueza e o aumento dos investimentos na região demandarão profissionais mais qualificados no comando. Aí mora o interesse da Korn/Ferry, presente em 40 países e responsável pela colocação diária de 50 executivos no primeiro escalão por todo o mundo. "As mudanças nos países emergentes e na América Latina serão tão profundas como aconteceu na revolução industrial", prevê o executivo.

O fato dos países considerados emergentes concentrarem 80% da população mundial é outro ponto a favor do Brasil. A economia ocidental sofre com o envelhecimento dos profissionais. Segundo Burnison, metade dos executivos que comandam as 500 maiores empresas do mundo estará com idade para se aposentar nos próximos cinco anos e não haverá profissionais qualificados para substituí-los. "Uma nova geração de líderes surgirá dos países emergentes", diz.

Pensando nesse "gap" de talentos no futuro, a Korn/Ferry - que faturou US$ 850 milhões em 2007, sendo U$ 650 milhões apenas com o recrutamento de executivos- está diversificando suas atividades. Em apenas quatro anos, o serviço de preparação de lideranças passou de US$ 7 milhões para US$ 70 milhões, segundo o CEO. Esta é uma das novas apostas no Brasil. Em entrevista ao Valor, Burnison falou sobre os planos da empresa e os desafios para as organizações nesse novo cenário econômico. A seguir trechos da entrevista:

Valor: Como funciona a Korn/Ferry hoje? O que mudou desde a abertura do capital no fim dos anos 90?

Guy Burnison Hoje 80% do nosso negócio é de recrutamento de executivos. Apenas 20% vem de outras áreas, como o desenvolvimento de lideranças. Temos 26 mil funcionários em 40 países. Nosso faturamento foi de US$ 850 milhões no ano passado. Somos a maior e mais lucrativa empresa de "executive search" hoje. Nós colocamos 50 executivos por dia em todo o mundo entre CFOs, gerentes-gerais. Abrimos o capital em 1999. Desde então, não mudamos tanto. Provavelmente, agora temos mais disciplina em nossa operação financeira interna.

Valor: O fato do senhor ter ingressado como Chief Financial Officer (CFO) e chegado ao comando demonstra uma preocupação maior com o resultado financeiro?

Burnison Acredito que sim.

Valor: Quais são os planos da Korn/Ferry para o Brasil?

Burnison Somos sediados nos EUA, mas se você observar hoje 80% da população mundial está nas economias emergentes. Os EUA representam apenas 4%. Se você olhar nas múltis e seus planos de crescimento, invariavelmente, verá que eles saem das economias ocidentais e vão para lugares como Índia, China, Brasil e Rússia. Vão para onde se concentra a população mundial. Elas vão continuar fazendo investimentos no Brasil como fazem no Oriente Médio e na Ásia. Nossa perspectiva de crescimento também está além das nossas fronteiras. É mais do que uma questão de recrutamento de executivos. Tem haver com nossos outros negócios.

Valor: De que forma?

Burnison Se a gente olhar ao redor do mundo, os desafios demográficos, a escassez de talentos e colocar todos esses fatores juntos, podemos dizer que as companhias vão ter que fazer mais do que colocar alguém numa cadeira no futuro. Além de recrutar pessoas, terão que empregá-las, desenvolvê-las, retê-las e recompensa-las de forma eficiente. Estamos tentando criar um serviço de recursos humanos bilionário pensando nisso. Queremos criar aqui também porque acreditamos que as perspectivas de crescimento no Brasil são enormes. No ano passado, nosso negócio cresceu 50% na região latino-americana, que representa 8% do faturamento da companhia. Mas se você pensar onde o crescimento estará no prazo de dez anos, esse percentual com certeza mudará.

Valor: Existe um aumento da procura por executivos locais para tocar as operações das múltis?

Burnison Sim existe. Parte do trabalho dos CEOs hoje está relacionado a como você administra, motiva e inspira as pessoas. Para fazer isso, é preciso entender os costumes e a cultura local. Por isso é tão importante para as grandes companhias ter pessoas do lugar. Mas hoje existe também uma outra demanda, particularmente na China e na Índia, de companhias locais recrutando de volta chineses e indianos que estavam vivendo nos EUA.

Valor: Qual a expectativa de crescimento da Korn/Ferry para a região latino-americana?

Burnison Não temos bola de cristal, mas acreditamos que a demanda vai continuar crescendo. Se você olhar a população do mundo verá que ela está no Brasil, Índia, China, Rússia e no Oriente Médio. Existe uma transferência de valores. Os investimentos continuarão a ser feitos, passarão de geração para geração, como aconteceu com os EUA há 100 anos ou na Grã-Bretanha há 150. As mudanças profundas que estão acontecendo hoje na China, no Brasil ou na Índia, em dez anos, poderão ser maiores que a revolução industrial há 100 anos. Os desafios demográficos são realmente muito poderosos.

Valor: O senhor se refere a aposentadoria dos baby boomers (nascidos entre 1946 e 1964)?

Burnison Se você pegar a economia ocidental, França, Alemanha, Austrália, Canadá, verá a dimensão do problema. Só nos EUA existem 85 milhões de baby boomers e 35 milhões de profissionais da geração X (nascidos depois de 1965) para serem substituídos. No Canadá, na Austrália e nos EUA o setor governamental perderá um terço da sua força de trabalho em cinco anos. Se olharmos as 500 maiores companhias listadas na revista "Fortune", veremos que 50% dos principais executivos estarão em idade de se aposentar nos próximos cinco anos. Existe esta convergência entre o envelhecimento da população e o encolhimento da rede de suprimento de pessoas. Apesar de existirem seis milhões de desempregados ao redor do mundo, existe uma falta de talentos. Isso é mais intenso em países como o Brasil ou a China. Por isso, estamos incrementando nosso serviço de preparação de líderes para o futuro.

Valor: Qual o desafio para essa nova geração de líderes?

Burnison O tempo de permanência do CEO nos EUA vem diminuindo. Cerca de 40% deles fracassam nos primeiros 18 meses. É interessante nesse tempo em que os empregos estão mais complexos que essa estabilidade esteja diminuindo. O que encontramos são pessoas jovens ganhando grandes empregos mais cedo. E uma das coisas mais difíceis para eles são as habilidades decorrentes da experiência, aquelas que vêm com o tempo. Coisas que você não consegue aprender na universidade. Por isso nosso negócio de liderança globalmente, saiu de um faturamento de US$ 7 milhões, há 4 anos, para chegar a US$ 70 milhões. Ao olharmos esses macrofatores ficamos muito encorajados sobre nossas perspectivas de crescimento.

Valor: Que tipo de executivo as empresas procuram mais?

Burnison Nossos clientes querem agentes de mudanças globais. Pessoas que tenham um estilo de liderança flexível, que se adaptem bem a outras culturas. Que tenham a habilidade de entender que a força de trabalho é motivada por outras coisas além do dinheiro. As pesquisas de engajamento dizem que ele é importante. Claro, sempre achamos que merecemos mais, mas ele não é o único fator que move as pessoas.

Valor: O que mudou no perfil dos headhunters nos últimos anos?

Burnison Este hoje é um serviço muito mais de consultoria. Temos um grande impacto nos nossos clientes. O CEO hoje tem que ter visão, missão, cultura, estratégia e saber passar isso para as pessoas. Não se trata de apenas achar o executivo, mas ver se existe um alinhamento entre a cultura do candidato e a do cliente. Nossa profissão vai se tornar cada vez mais desafiadora. Será mais fácil encontrar um candidato, mas será mais difícil ter certeza de que a escolha foi certa.

Valor: Há 20 anos era comum executivos aposentados tornarem -se headhunters por conta de seu expertise. Isso ainda acontece muito?

Burnison Se você olhar para K/F hoje temos 500 ou mais consultores na área de recrutamento, mas 200 são novos e entraram nos últimos 45 meses. Eles têm pouco mais de 40 anos. Centenas deles não tinham qualquer experiência em recrutamento, mas a maioria veio da indústria.

Valor: Os negócios da K/F foram muito afetados pela recente crise na economia americana?

Burnison O impacto foi grande no segmento de serviços financeiros, particularmente em bancos de investimentos e no mercado de capitais, especialmente em Nova York e Londres. Mas o nosso negócio é muito diversificado, estamos em 40 países, atuamos em cinco grupos de indústrias. A área de serviços financeiros representa apenas 20% do que fazemos. E bancos de investimentos e mercado de capitais são um pequeno percentual disso. Mas eu acredito que nos EUA o gasto do consumidor claramente caiu. O dólar enfraqueceu. Definitivamente haverão desafios nos próximos meses. Estamos em um ano eleitoral. O preço da gasolina está alto para os padrões americanos. Metade do nosso faturamento vem dos EUA, mas a outra parte vem de fora. A área industrial representa 25% do nosso negócio. É a nossa melhor performance. Energia, recursos naturais, mineração, manufatura, indústria automotiva. Portanto, a crise não afetou tanto.

Valor: A K/F pretende aumentar os investimentos no Brasil?

Burnison Claro, olhando os próximos dez anos, sabemos que o crescimento da K/F será fora dos EUA. A estabilidade na região, nos faz crer que o futuro será brilhante para nós. Estou aqui para ver os nossos planos de crescimento para os próximos cinco anos. Olhando os números: 180 milhões de pessoas, uma sociedade jovem, flexível, um lugar amigável para se fazer investimentos, vemos que as oportunidades são enormes. Se você considerar isso e colocar no contexto de outros países da região, verá que os holofotes devem ficar direcionados para o Brasil.