Título: Em menos de um ano, Mangabeira amplia tarefas, mas é dúvida no PAS
Autor: Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 19/05/2008, Política, p. A6

Ruy Baron/Valor Ministro assumiu o PAS porque Lula o considerou mais isento que os ministros do Meio Ambiente, Agricultura, Desenvolvimento Agrário e Integração Repudiado pelo PT, jocosamente chamado de ministro do futuro, o filósofo Mangabeira Unger nunca esteve tão bem no governo, desde a posse em junho de 2007. No entanto, seu futuro como coordenador do Plano Amazônia Sustentável (PAS) ainda é incerto e depende de uma conversa do novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, talvez ainda hoje.

A indicação de Mangabeira para coordenar o PAS é apontada como o motivo que levou a ex-ministra Marina Silva a pedir demissão. Ele deixou correr a versão, sem desmentidos. Mas esse foi apenas o pretexto utilizado por Marina no momento em que ela se sentiu completamente isolada no Planalto, sem condições de avançar na própria agenda ambiental, como quase sempre conseguiu fazer, mesmo quando derrotada nas disputas internas.

Um pretexto que diz muito do que pensa o governo da questão amazônica: é um problema econômico que requer soluções econômicas para de 25 milhões de habitantes, e evitar o recurso ao desmatamento na falta de outra opção. É o que pensa Mangabeira, mas também Dilma Roussef (Casa Civil), o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) e o ex-ministro e ex-presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP).

Há duas versões para a designação de Mangabeira. Uma delas, corrente no PT, diz que Lula agiu de caso pensado para deixar a ministra sem saída. No Planalto, conta-se outra história, que não desmente a a primeira versão, mas deixa depreender que tudo não passou de um lampejo de Lula.

O certo é que o nome estava decidido e não era o de Marina. Era o de Geddel Vieira Lima (Integração Nacional). Até porque, de ambiental, o plano só teria o "esse" de "sustentável" na sigla PAS. Marina aceitara Geddel, mas tinha outra opção: Dilma Roussef. As duas, segundo observadores atentos da cena palaciana, disputavam mas compreendiam as razões uma da outra. E Marina julgava que poderia ter em Dilma uma aliada forte junto a Lula. Mas o presidente não quer dar a Dilma mais atribuições além das que ela já tem com o PAC.

O nome de Mangabeira surgiu quando se discutia, na reunião do presidente com ministros e governadores, a questão de financiamentos do Banco do Brasil de propriedades situadas no chamado Arco do Fogo. O assunto já provocara intensas críticas do governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, à ministra do Meio Ambiente. No "Arco" há municípios também incluídos nas áreas denominadas "biomas", para os quais os procedimentos do BB para a concessão de financiamentos serão mais rigorosos.

A questão lógica para resolver o problema seria o cadastro das propriedades, mas o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, alegou que o MDA não teria condições de recadastrar 80 mil propriedades, talvez umas 35 mil, aquelas de até quatro módulos rurais. Mangabeira interveio e sugeriu que talvez a solução fosse uma pequena mudança no Código Civil. Lula gostou do que ouviu e nesse momento teria apontado Mangabeira para a coordenação - afinal, o ministro não era diretamente parte da disputa (os ministérios do Meio Ambiente, da Agricultura, do Desenvolvimento Agrário e da Integração Nacional). Lula alegaria depois que não poderia indicar um deles pois cada um "puxaria a brasa para sua sardinha".

Segundo relato de testemunhas, Marina olhou para Geddel e aspirou profundamente, como se estivesse contando até dez. Mas nada disse. É provável que, naquele momento, tenha se dado conta de que já não reunia condições políticas de avançar na questão ambiental dentro do governo. Dos transgênicos à licença para a construção da hidrelétrica do rio Madeira, o fato é que Marina revelou-se uma hábil negociadora. Sempre apareceu como derrotada, mas na realidade tanto num caso (o modelo institucional para liberação comercial de transgênicos), como no outro (o problema dos sedimentos do rio do Madeira), Marina conseguiu incluir propostas importantes da causa ambiental.

Mangabeira não surgiu do nada na questão amazônica. Poucos foram os ministros a lhe oferecer uma recepção calorosa quando chegou a Brasília, no inverno de 2007. A dedo, pode-se citar Gilberto Gil (Cultura) e Fernando Haddad (Educação). O ministério de Marina nunca deu a ele a oportunidade de uma conversa, solicitada mas ignorada. O Desenvolvimento Agrário também não lhe deu propriamente uma recepção festiva. Mas Mangabeira tinha aliados e foi buscar na Amazônia, um tema sob a atenção mundial, a inspiração para seus primeiros escritos, além da Defesa Nacional.

De saída, fez o circuito dos governadores da região e assimilou muito do que ouviu nessas viagens. Do governador Eduardo Braga, do Amazonas, por exemplo, o conceito de que mais vale a árvore em pé do que a árvore deitada, em termos econômicos. Cansados de ouvir promessas nunca cumpridas de Brasília, alguns parlamentares se entusiasmaram com o discurso de Mangabeira, como a deputada Vanessa Grazziotin, do mesmo PCdoB de Aldo Rebelo. Mesmo bem impressionadas, autoridades em geral qualificavam as idéias alinhavadas por Mangabeira Unger como teses que nunca sairiam efetivamente do papel.

O discurso que o ministro costurou sobre a Amazônia, porém, é o discurso que faz hoje o governo sobre a região. Não se trata - como se diz no governo - de um projeto para conceder aceleradamente licenças ambientais, mas de evitar exageros e casos como o de uma empresa que esperou seis meses por uma resposta do Ibama, e quando ela chegou, dizia que a solicitação em causa (a instalação de equipamento para medir o potencial energético de um rio) deveria ter sido feita por meio eletrônico.

Mangabeira ganhou pontos no Planalto quando apresentou o projeto que propõe um novo modelo para as relações entre o capital e o trabalho. O ministro costuma dizer que se "surpreendeu positivamente" com o tratamento que recebeu de Lula, a quem criticou antes de integrar o governo - na realidade, disse que ele chefiava o governo mais corrupto da história. O ministro vê a si mesmo como a "antítese" de Lula. O presidente, costuma dizer, é um "intuitivo"; ele, o filósofo "racional"; Lula é "conciliador", ele, Mangabeira Unger, "radical e revolucionário". Já o presidente Lula, só espera dele, além dos projetos futuros, projetos concretos de curto prazo e uma boa coordenação do PAS . Se for confirmado na função.