Título: Agronegócio e indústria já aceitam Doha light
Autor: Landim , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 21/05/2008, Brasil, p. A3

Apesar de ainda ter muita negociação pela frente, a Rodada Doha, da Organização Mundial de Comércio (OMC), pode estar a caminho do fim. Pelo menos no que depender do setor privado brasileiro. As posições entre agricultura e indústria se aproximaram. Enquanto o setor agrícola diz que o acordo "é menos do que se esperava, mas não pode ser desconsiderado", representantes da indústria avaliam que "dá para engolir".

Mário Marconini, diretor de negociações internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), ficou positivamente "surpreendido" com o texto do mediador da negociação industrial, Don Stephenson, divulgado na segunda-feira. "Ainda não acabou, mas o que está na mesa agora permite que os países em desenvolvimento continuem na sala de negociação", disse.

Soraya Rosar, gerente executiva da unidade de negociações internacionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI), diz que o mediador considerou os anseios de quase todos os países envolvidos. "Antes a negociação estava desbalanceada, agora existe possibilidade de discussão. Mas qual vai ser o desenho desse quebra-cabeça ainda não está claro", afirmou.

Algumas mudanças atendem aos interesses da indústria. Para os países que aceitarem cortes mais profundos (coeficiente entre 19 e 21), o limite de produtos sensíveis pode chegar a 14%, ao invés dos 10% previstos inicialmente. Os países também poderão optar por um corte mais brando (o coeficiente mais alto subiu de 23 para 26) desde que desistam das flexibilidades. Nos produtos que os países indicarem como sensíveis, as tarifas de importação vão cair menos.

"As propostas ainda são negociáveis, mas a princípio, está mais palatável. Talvez dê para engolir", disse Mário Branco, gerente de negociações internacionais da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). Ele explica que adoção de um coeficiente mais brando beneficia o setor. Por exemplo: com o coeficiente 23, 566 produtos eletroeletrônicos sofreriam quedas de mais de dois pontos percentuais na tarifa aplicada. Com o coeficiente 25, esse número cai para 327 itens.

Segundo Marconini, a indústria ainda considera a negociação "ambiciosa" e quer saber se está balanceada. A pergunta é: o que agricultura brasileira vai ganhar na Rodada Doha compensa as perdas da indústria? André Nassar, diretor-executivo do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), "think-tank" financiado por entidades agrícolas, disse ao Valor que o acordo "é menos do que se esperava, mas não pode ser desconsiderado".

Ele admitiu que as propostas atualmente sobre a mesa - especialmente as cotas oferecidas para a União Européia para alguns produtos agrícolas - podem representar um incremento no volume vendido pelo Brasil para o bloco. Mas alertou que como o aumento no volume será pequeno, é preciso garantir que pelos menos a receita obtida pelos exportadores crescerá de maneira mais substantiva.

Nassar está preocupado com uma questão técnica, mas fundamental para os exportadores agrícolas: a administração da cota de importação pela Comissão Européia. Dependendo de como isso ocorrer, a redução da tarifa de importação pode se transformar em ganhos para exportador e consumidor europeu ou em margem de lucro maior para os importadores.

Para os empresários brasileiros, alguns fatores contribuem para acelerar as negociações e reduzir suas ambições: a proximidade das eleições dos Estados Unidos, um certo "cansaço" com a Rodada, que já dura sete anos e atrapalha as negociações bilaterais, e o temor de que um fiasco prejudique a credibilidade da OMC e sua capacidade de regular o comércio.

"Está caminhando para uma Doha light. Os países querem um acordo para não jogar fora todo o esforço", avaliou Fernando Pimentel, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). Ele ressaltou que o setor decidiu não aguardar os resultados da Rodada Doha e está ativo em conversas bilaterais com os parceiros nos Estados Unidos, na União Européia e até no México.