Título: Itamaraty disfarça contentamento em nota oficial discreta
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 21/05/2008, Brasil, p. A3

Uma nota oficial discreta e cautelosa disfarçou ontem a sensação de contentamento no Itamaraty, com a divulgação, na véspera, em Genebra, dos textos para servir de base às negociações de liberalização comercial, na chamada Rodada Doha, da Organização Mundial do Comércio (OMC). Parte considerável das preocupações dos brasileiros foi levada em conta nos textos divulgados pelos coordenadores das discussões sobre produtos agrícolas e sobre produtos industriais e outros (negociação conhecida pela sigla Nama, do inglês non-agricultural market acesso, acesso a mercados não-agrícolas).

Mais otimistas em relação às possibilidades de um acordo na OMC até o fim do ano, os negociadores brasileiros continuam preocupados, porém, com detalhes considerados "cruciais" na discussão em Genebra. Um deles é a garantia de que o Mercosul será considerado como bloco, e não por cada país, individualmente, no momento de avaliar os produtos que terão direito a serem considerados "sensíveis", com maior proteção tarifária. volume de comércio.

No texto divulgado para orientar as negociações de liberalização do comércio de produtos industriais, prevê-se a possibilidade de se destacar alguns produtos como "sensíveis", desde que eles não ultrapassem determinado "volume de comércio" do país, uma forma de evitar que os países excluam exatamente os produtos mais demandados por seus mercados.

Como as mercadorias do Mercosul são sujeitas a uma tarifa comum, essa regra, segundo os diplomatas brasileiros, dificultaria a acomodação dos interesses dos quatro sócios. Assim, em casos de uniões aduaneiras, como a do Cone Sul, ao medir o "volume de comércio", a OMC deveria considerar o total do bloco e não cada país individualmente.

Essa sugestão está no texto divulgado ontem, mas entre colchetes, o que significa que o tema ainda está em discussão. "Para o Brasil, é essencial que as regras aplicáveis a uniões aduaneiras como o Mercosul sejam inequívocas, evitem resultados desproporcionais ou discriminatórios e estejam plenamente acordadas no texto que balizará as deliberações em nível ministerial", diz a nota do Itamaraty, em referência à reunião negociadora dos ministros dos países da OMC, que deve ser convocada para junho.

O Brasil vê como prioridade, ainda, a inclusão do etanol entre os produtos considerados ambientais, a serem beneficiados com maior liberdade do comércio e quer proibir tarifas específicas, como as aplicadas pelos Estados Unidos sobre o etanol brasileiro, algo que impediu o tema de ser abordado nos textos, devido à oposição dos EUA.

"Em análise preliminar, constata-se que o texto revisto para as modalidades em agricultura é mais completo e detalhado que a versão anterior", diz a nota divulgada ontem pelo Itamaraty, que saúda a eliminação de "lacunas" e a definição de aspectos técnicos e metodologias "aplicáveis a temas de grande importância para a efetiva redução das distorções e liberalização dos mercados agrícolas". Permanecem, porém, pontos "inadequados", segundo a nota, que lamenta a indefinição sobre "questões centrais como os limites para os subsídios e para as tarifas nas economias mais avançadas e que mais distorcem os mercados".

Ainda nesta semana, o Brasil deve reunir os parceiros no G-20, o grupo de países em desenvolvimento que discute uma posição comum sobre a liberalização dos mercados agrícolas. Durante toda a próxima semana, deverão ocorrer reuniões entre os países, para trocar avaliações sobre os possíveis impactos das diversas hipóteses de liberalização dos mercados para produtos industriais e dos possíveis cortes nos subsídios agrícolas previstos nos textos dos coordenadores designados pela OMC.

Esses textos firmam apenas as regras para negociações dos cortes a serem aplicados sobre as tarifas e subsídios agrícolas, além de determinarem também métodos para definir que subsídios à agricultura continuarão permitidos pela OMC. Após essa etapa, considerada a mais difícil, os governos terão de entrar na negociação de números para tarifas, subsídios e produtos a serem afetados pela liberalização comercial. Há um esforço para que haja resultados nas negociações até o início do segundo semestre, já que a sucessão presidencial nos EUA paralisará um dos sócios mais importantes da OMC.