Título: Ex-assessor da Casa Civil isenta Dilma e Erenice e diz que enviou dossiê por engano
Autor: Ulhôa , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 21/05/2008, Política, p. A7
José Aparecido: "Saiu da minha máquina. Mas não admito a possibilidade de ter enviado de maneira premeditada" Os depoimentos de José Aparecido Nunes Pires, ex-secretário de Controle Interno da Casa Civil, e André Fernandes, consultor legislativo do Senado, à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos cartões corporativos em nada contribuíram para esclarecer o suposto dossiê com gastos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Foi uma sucessão de contradições e versões pouco verossímeis. A CPI caminha para o final sem cumprir o objetivo: apurar irregularidades em gastos com cartões.
Satisfez ao governo o fato de José Aparecido ter confirmado a existência de banco de dados - e não dossiê - e ter livrado a secretária-executiva da Casa Civil, Erenice Guerra, de qualquer responsabilidade pela elaboração do documento. A maior preocupação da base aliada era com a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), caso sua principal assessora fosse envolvida.
André Fernandes, o primeiro depoente de ontem, disse ter ouvido de José Aparecido, durante almoço no Clube Naval, que a ordem para a montagem de um "banco de dados seletivo" teria partido de Erenice. O ex-secretário de Controle Interno negou que tenha citado a assessora de Dilma. Disse que Norberto Temóteo Queiroz, secretário de administração da Casa Civil, foi quem solicitou que ele cedesse dois funcionários para ajudar na elaboração do banco de dados com gastos do governo passado.
José Aparecido provocou ironia até de parlamentares da base aliada ao dizer que não enviou "conscientemente" para André o anexo com as planilhas de gastos, por e-mail, embora a investigação da Polícia Federal tenha constatado que o material saiu do seu computador no gabinete da Casa Civil. "Saiu da minha máquina. Mas não admito a possibilidade de ter enviado de maneira premeditada. Todo mundo na vida pode passar um e-mail errado", disse.
Só em 6 de maio ele teria ficado sabendo que o vazamento partiu de sua "máquina". José Aparecido disse que sua vida "esgarçou". Indiciado pela Polícia Federal por quebra de sigilo funcional (artigo 325 do Código Penal), o ex-servidor pediu afastamento e deve voltar para o Tribunal de Contas da União (TCU), seu órgão de origem. "Se não houve um 'ghost' (fantasma), o senhor passou. Mesmo por engano, acho que foi da mãozinha de vossa senhoria", disse o deputado Mannato (PDT-ES).
Os governistas da CPI desviaram a questão do dossiê supostamente montado para intimidar a oposição, para transformar o episódio num problema pessoal. Tentaram desqualificar André e acusá-lo de "trair a confiança" de um amigo. Mas o servidor do Senado também fez relato confuso. Disse que estava de férias, em 19 de fevereiro, e passou no Senado para pegar documentos. Enviou mensagem eletrônica coletiva a dez amigos.
Zé Aparecido, um dos destinatários, responde no mesmo dia, convidando André para almoçar. No dia 20, o assessor do Senado disse que ligaria para o amigo. Em seguida, recebeu uma mensagem eletrônica de José Aparecido: "Leia o texto". Havia dois anexos. Um deles continha texto sobre providências que a administração pública deve tomar em caso de verificação de irregularidade em gastos.
No outro arquivo tratava-se do dossiê com gastos que os parlamentares definem como exóticos de FHC e a ex-primeira-dama Ruth Cardoso. "Fiquei chocado. Interpretei como intimidação", afirmou André. Ao responder, nem citou o dossiê, "para não passar recibo". Segundo ele, havia "precedente": em 2004, Aparecido teria insinuado que o Planalto tinha informações sobre o então presidente da CPI do Banestado, senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT).
André considerou ameaça. Na ocasião, teriam rompido a amizade de cerca de 18 anos, retomada em 2006. José Aparecido conta outra história. Teria havido afastamento, mas motivado por um requerimento do senador Álvaro Dias (PSDB-PR) à Casa Civil, solicitando informações de funcionários do Tribunal de Contas da União (TCU). Dias acusou Aparecido de mentir.
Houve outras contradições. Segundo André, José Aparecido estava "descontrolado" no almoço do Clube Naval, em Brasília, do qual participaram Marco Pólo e Nélio Lacerda, amigos em comum. Mas o ex-secretário disse que "quem estava apavorado" era o servidor do Senado. André negou ter pedido emprego no governo Lula, enquanto Aparecido disse que o amigo "cogitou" ser secretário-executivo-adjunto do Ministério do Planejamento.
"Os depoimentos não acrescentaram nem diminuíram nada", afirmou o relator, deputado Luiz Sérgio (PT-RJ). Ele pretende apresentar seu relatório no dia 26. A data final de funcionamento da CPI é 8 de junho. É preciso aprovação de 171 deputados e 27 senadores para sua prorrogação.