Título: Na Venezuela, menos receita e foco na política externa
Autor: Campassi , Roberta
Fonte: Valor Econômico, 21/05/2008, Agronegócios, p. B14
Na quarta-feira passada, pela primeira vez desde que foi destacado para fixar a Embrapa na Venezuela, Elias de Freitas Junior aterrissou em Caracas sem ter agendado passagem de volta ao Brasil. A estrutura básica para atender o país está montada: o escritório já tem sede e três técnicos brasileiros especializados em sementes chegaram para ficar. Para Freitas, falta só encontrar um apartamento para viver numa cidade em que - as pessoas repetem - tudo é caro, exceto a gasolina, cujo litro custa cerca de US$ 0,05.
Enquanto o celular de Brasília é mantido desligado, o telefone que opera com número local toca a cada trinta minutos. Das chamadas que Freitas recebe, muitas são feitas por empresas interessadas em adquirir sementes e insumos agrícolas do Brasil. Auxiliá-las é parte do trabalho do coordenador, mas ele ressalta que os objetivos da Embrapa ali não são comerciais.
"Eventualmente, podemos vender sementes e obter alguma receita", conta. "Mas este escritório é, primordialmente, um instrumento de política externa". Ele lembra que Brasil e Venezuela têm acordos de cooperação na área agrícola há mais de 30 anos. "Mais aproximação, agora, se deve ao momento especial da relação entre os dois países", afirma. A Venezuela é membro do Mercosul e um importante parceiro comercial do Brasil. Sozinha, respondeu por 30% do saldo da balança comercial brasileira no primeiro trimestre deste ano.
A principal função da empresa estatal brasileira é transferir tecnologia aos pesquisadores e produtores venezuelanos. Para tanto, a primeira e mais importante parceria foi firmada com o Instituto Nacional de Investigaciones Agrícolas (Inia), ligado ao ministério de Agricultura da Venezuela. É na sede do Inia que a Embrapa inaugurou seu escritório no dia dez de março, três meses depois de o projeto ter sido anunciado. O instituto conta com um fundo de US$ 100 milhões para financiar seus programas e paga parte das despesas dos pesquisadores brasileiros.
A assessoria da Embrapa recairá principalmente sobre doze pontos que o Inia estabeleceu. As prioridades venezuelanas são elevar a produção de carne, ovos e leite; organizar um programa nacional de sementes; melhorar a qualidade das pastagens e criar um centro de reprodução e genética bovina.
Atualmente, a Venezuela importa 70% de todo o alimento consumido e sofre com a falta de produtos básicos como leite, ovos e feijão. O estímulo à produção desses produtos deve, na visão do governo, reduzir a escassez e, conseqüentemente, a inflação dos alimentos, que no primeiro trimestre alcançou 6,8%. Mas a escassez também se deve à política de congelamento de preços estabelecida pelo governo do presidente Hugo Chávez, uma vez que muitos produtores optam por comercializar apenas produtos cujos preços são livres ou por vendê-los no mercado negro. Recentemente, o governo começou a permitir reajustes nos preços de produtos básicos.
Os esforços para aumentar a produção de proteína animal visam reduzir a dependência da Venezuela em relação à importação de carne e a pressão inflacionária sobre o produto. O foco principal é o frango, uma vez que o ciclo de produção é muito rápido - em torno de 40 dias, contra uma média de três anos no caso da produção de carne bovina.
Segundo Freitas, os venezuelanos consomem perto de 33 quilos de frango por pessoa por ano (no Brasil, o consumo está em 38 quilos). A produção doméstica, contudo, não supre essa demanda e o país importa 120 mil toneladas desse tipo de carne anualmente, além de produzir 850 mil toneladas no mercado doméstico. Já o consumo individual de carne bovina no país e de cerca de 20 quilos por ano (contra 37 quilos no Brasil). "Toda a pressão de consumo está no frango", diz Freitas.
Elevar a criação de bovinos também é um dos objetivos do Inia. Segundo o coordenador da Embrapa, a Venezuela tem muito mais pastagem do que gado. Daí o interesse do país em aprimorar as técnicas de reprodução dos animais e melhorar a qualidade da vegetação dos pastos. Na área de sementes, o Inia quer melhorar a qualidade das sementes disponíveis aos produtores, além de elaborar um planejamento do que será plantado e de como isso será feito.