Título: Consórcios são modernizados
Autor: Jayme , Thiago Vitale
Fonte: Valor Econômico, 21/05/2008, Finanças, p. C1

O Brasil terá um novo marco regulatório do sistema de consórcios. A Câmara aprovou, na semana passada, o Projeto de Lei nº 7.161, de 2006. Duas das principais novidades do texto são a autorização para criação de consórcios de serviços (além daqueles para aquisições de bens, existentes hoje) e a possibilidade de a União criar um fundo garantidor para salvaguardar o setor e os consorciados de eventuais crises ou quebras de administradoras.

Hoje, o sistema brasileiro de consórcios funciona de forma jurídica precária. Nenhuma legislação trata unicamente do setor. A Lei nº 8.177, de 1991, apenas atribui ao Banco Central a incumbência de regulamentar e fiscalizar os consórcios. Desde então, todas as regras são regidas por atos normativos da instituição. "A aprovação do projeto é uma garantia a mais para os consumidores e para o sistema de consórcios. Era fundamental que o setor fosse regido por uma lei geral", diz o deputado Alex Canziani (PTB-PR), relator da proposta na Câmara.

O país tem hoje 3,5 milhões de consorciados. São R$ 60 bilhões em ativos administrados, que recolhem R$ 540 milhões em tributos e empregam, diretamente, 40 mil pessoas. Anualmente, R$ 20 bilhões em crédito são pagos aos consorciados. "A lei é um instrumento de grande expectativa do setor há duas ou três décadas. Antes dessa proposta, o que havia eram leis genéricas que não conseguiam atender todo o sistema", comemora o presidente da Associação Brasileira de Administradoras de Consórcios (Abac), Rodolfo Garcia Montosa.

A criação de consórcios de serviços é uma demanda do setor. Hoje, o país só tem essa modalidade de compra para bens, como apartamentos, carros e eletrodomésticos. "O país poderá ter consórcios para educação, por exemplo, como forma de financiar estudos no exterior ou modalidades desse tipo", diz Montosa. Tratamentos médicos ou odontológicos também poderiam ser pagos por meio de consórcios.

Outra novidade do texto é a ampliação do uso do FGTS nos consórcios. Hoje, o fundo de garantia pode ser usado para dar um lance ou complementar o valor do crédito da casa. O projeto permite que o FGTS pague prestações do consórcio ou sirva para liqüidar ou amortizar o saldo devedor. Os consorciados também poderão usar o crédito obtido no consórcio de uma casa ou de um carro para quitar um financiamento dos mesmos bens.

O projeto procura ainda melhorar uma questão que é alvo de diversas ações judiciais. Nas regras de hoje, um consorciado que desiste de participar do grupo só recebe o dinheiro investido ao final de todo o processo, quando todos os consorciados já foram contemplados. Diversas liminares obtidas na Justiça determinam que as administradoras devolvam os recursos durante a vigência do grupo do consórcio.

"Alguns juízes não compreendem a modalidade do consórcio. Pensam que o dinheiro do grupo é das administradoras, quando é dos consorciados. A devolução do dinheiro prejudica o processo", explica Montosa.

A lei traz uma nova metodologia de recuperação dos recursos. A partir da entrada em vigor do texto, quem contribuir em cinco parcelas, só receberá os recursos ao final do grupo. Quem pagar seis vezes ou mais, continua dentro do sorteio do grupo. Uma vez sorteado, receberá os recursos de volta.

Do ponto de vista da segurança dos consorciados, o projeto avança em relação às normas atuais. O texto deixa bastante claro que o dinheiro dos consorciados não se confunde com os bens das administradoras. Assim, em eventuais crises do setor, caso os administradores sejam executados nas Justiça, os investimentos dos grupos de consórcios estão a salvo da quitação da dívida.

A lei também confere responsabilidade objetiva (sem necessidade de comprovação de culpa) aos administradores nos casos de irregularidades nos sorteios. Além disso, o BC passa a ter mais poderes de fiscalização e regulação do setor. Por fim, o governo poderá optar por criar um fundo garantidor nos moldes do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) para salvaguardar os consorciados de eventuais intervenções, liquidações extrajudiciais ou falências no setor.

"Já houve casos de quebras de administradores que prejudicaram demais os consorciados", diz o deputado Canziani.

O texto não apresenta fonte para o financiamento do fundo. Caberá ao governo, se entender necessária a criação da garantia, legislar sobre sua formatação.

O texto já havia sido aprovado no Senado. Como o relator fez dois ajustes pequenos ao projeto, a proposta será agora novamente analisada pelos senadores, mas exclusivamente sobre as duas mudanças. Portanto, a formatação do novo sistema de consórcios será essa dada pelos deputados.

Uma vez reavaliado pelos senadores, o texto seguirá para sanção presidencial. O Palácio do Planalto não deverá vetar o texto ou artigos do projeto, já que a proposta e o relatório de Canziani foram elaborados em parceria com o Banco Central. "Não houve resistência ao texto nem na oposição e nem no governo", diz o deputado do PTB.